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Crítica | Mossane

por Luiz Santiago
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Em uma vila do povo sererê (ou serer, o terceiro maior grupo étnico do Senegal), uma garota de 14 anos chamada Mossane (Magou Seck) vive um dilema amoroso que se mistura com o seu temperamento rebelde da adolescência o despertar de sua sexualidade, a formação de suas opiniões sobre o mundo e sobre si mesma e o contraste dessas questões pessoais com a tradição local e o desejo de sua família.

Safi Faye realiza, em Mossane, o seu retorno à direção depois de 7 anos do lançamento de Tesito, um curioso documentário do período em que a artista esteve engajada em um projeto da PAMEZ (sigla em francês para Projeto de Desenvolvimento da Pesca Artesanal Marítima na Região de Ziguinchor). Nesta ficção de 1996, a cineasta retoma uma veia narrativa muito particular do cinema senegalês, tendo como uma das costuras da obra um griô (griot) moderno, que está a par de tudo o que acontece na vila e serve como mensageiro e até conselheiro, além de apresentar festas e narrar histórias, aqui, todas orgânicas, servindo como um reforço cronista para o grande enredo.

A sutileza da direção e do roteiro, também de Safi Faye, faz com que essa presença do griô e das canções que abrem e fecham o longa reforcem a atmosfera de conto africano com um quê de tragédia, atmosfera esta tornada ainda mais peculiar pela maneira como é filmada, criando uma espécie de docudrama que centraliza as mulheres na tomada de decisão, sendo esta a pedra angular do longa: a possibilidade de fazer (ou não) escolhas. De um lado está a família da garota, que arranja o casamento de olho no dinheiro do noivo. A questão da posição social e o quanto isso é importante para a família (menos para Mossane) é uma denúncia que traz à discussão classes sociais e nos faz pensar sobre o senso comunitário versus o sonho de elite que alguns cultivam, tendo ideais europeus como base.

Do outro lado está Mossane, que procura seguir o coração e, como qualquer adolescente de sua idade, sentir e experimentar, descobrir a própria sexualidade. Safi Faye filma os corpos, o toque e as conversas entre as mulheres de modo engrandecedor e cheio de cumplicidade e carinho, cada uma delas lidando com Mossane de uma forma distinta, como se essa relação entre os corpos fossem sinais físicos de cada geração. A avó pouco ou nada toca na garota, mas diz explicitamente que quando Mossane sofre, ela sofre também. A mãe chega a embalar a filha no peito por um breve minuto, num raro momento de ternura entre as duas. No restante do filme, ela é a voz mais dura, que procura imprimir os desejos pessoais de riqueza (clamando uma tradição a que talvez nem veja como tão importante assim) forçando a filha a casar-se com um homem rico. Já a amiga toca, alisa, encosta em Mossane sem vergonha e sem intenções libidinosas. Há apenas uma relação íntima e muito bonita expressa pela naturalidade com que a cineasta coloca essas relações na tela.

Jogada para uma direção que não quer, Mossane diz “não” e segue o seu próprio caminho. Ela é coerente o bastante para rejeitar os bens materiais do dote do noivo e corajosa o bastante para falar diante dos adultos, na cerimônia de casamento à distância, o que pensava sobre tudo aquilo. Mais adiante, a tragédia retoma a face tradicional que em alguns momentos do filme a diretora usou para lidar com situações mais complexas (destaque para o ritual de purificação do irmão que estava apaixonado por Mossane) e reforça a atmosfera de conto, com a protagonista sendo não apenas um símbolo de grande beleza, mas também um símbolo de ação, da escolha de seu próprio destino.

Mossane (Alemanha, Senegal, 1996)
Direção: Safi Faye
Roteiro: Safi Faye
Elenco: Magou Seck, Isseu Niang, Moustapha Yade, Abou Camara, Alioune Konaré, Alpha Diouf, Ibou N’Dong, Moussa Cissé, Medoune Seck, Mbaye Diagne, Daouda Lam, Guèye Seynabou, Cheikh Mar, Djambodj Niang, Saliou Diouf
Duração: 105 min.

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