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Crítica | Mulher-Maravilha – Vol. 4: Guerra (Novos 52)

por Davi Lima
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Após estabelecer as regras do jogo familiar do Olimpo e quais peças do tabuleiro cada uma representa no volume anterior, especialmente do heroísmo de Mulher-Maravilha no prenúncio da guerra, Brian Azzarello entrega o xeque-mate cirurgicamente ambíguo de uma primeira grande partida. Se muito se discutiu sobre a profecia do último filho de Zeus e também muito se preparou a promessa de um embate por esse mesmo recém-nascido sem nome. Porém, compreendendo bem a narrativa histórica e mitológica dos gregos, o escritor junto com seu ilustrador Cliff Chiang entregam a imprecisão temporal do fato prometido como pungência do ritmo moderno de não se estar pronto para a batalha.  

Na primeira edição (#19) do volume não se tem a guerra em si, mas ela é posta em estratégias e grupos formados contra o possível cumprimento da profecia antiga do último filho de Zeus deter o trono do Olimpo. Dio, Lua (Ártemis) e Apolo versus Amazona (Mulher-Maravilha/Diana) e seu exército heterogêneo (Guerra/Ares, Zola, Hera, Lennox, Órion e o bebê)  versus Primogênito e Cassandra. Enquanto isso, Inferno e Poseidon apostam quem vai ganhar. Dessa forma Azzarello trabalha bem as posições das peças para o cliffhanger impactante de introdução das lutas mais diretas, como também destina o drama de Diana incutido na grande tramoia olimpiana. Posta-se o cenário coletivo e posta-se a dúvida de como a semideusa amazona pode mexer no tabuleiro em vista da sua representação heroica. Com uma cena material e teleológica ao mesmo tempo, Azzarello fomenta o discurso anti-machista de Diana contra Órion enquanto ela é categorizada pela amorosidade cega que Poseidon coloca sobre Diana. 

Junto disso, a nomeação indecisa do filho da profecia, filho de Zola com Zeus, segue a mesma ideia de Apolo e Poseidon sobre o que de fato a profecia quer dizer, num emaranhado confundível sobre o tempo preciso do que vai acontecer e a incerteza sobre algumas representações, como Diana e o próprio bebê. Ou seja, não é apenas fazer o cenário, é pontuar logo as dúvidas do jogo. Nisso, a ilustração de Goran Sudžuka, presente nas duas primeiras edições (#19 e #20), como substituto temporário de Chiang, brilha no bom acabamento formal e compõe a escrita de Azzarello em amarrar e prender o leitor no que se está explicando. Limita-se a agilidade de Azzarello, porém contribui-se para o marco de transição para sequências mais impactantes, criando expectativa das edições posteriores com um início de ritmo inesperado para formar a guerra do volume.

Isso se mostra como passos cuidadosos, sem atropelar as inter relações dos personagens para uma boa guerra se fundamentar num só foco ao final do volume. Azzarello junto com Goran Sudžuka criam os primeiros impactos inteligentes quando  aproveitam as imagens de luta e fuga incitando dramas a partir de diálogos simultâneos a elas. Exemplo disso é  a luta que se trava entre Ártemis e Diana, que mesmo o casamento dos diálogos e imagens sejam descompassados, colocando vinhetas em diferentes proporções num desenho apurado de detalhe e cor enfatiza-se o flashforward/dúvida do que a Mulher-Maravilha, heroína, pode representar nessa guerra dramaticamente.

Essa primeiras cenas, que dão o gostinho do prometido embate final, soam até estáticas para o texto de Azzarello, mas mediam a ideia dos quadros que exclusivamente Chiang ilustra, além dos rascunhos dessa segunda edição (#20), o que se passa nas conversas do Olimpo. Até parece um teste de paciência, mas na verdade Azzarello parece saber trabalhar tão bem com a serialização que tira proveito paulatino de impactos subsequentes em crescente, em que no mais explícito jogo de melindres divinos são postas ênfases visuais, enquanto na construção da ação fomenta-se foco verbal.

Assim, na terceira edição (#21) ainda não se chega a guerra de grande proporção, mas é a promessa cumprida de uma batalha imersiva dentro da arte sequencial dos quadrinhos. Usando bem o recordatório para não perder a ação da briga verbal enquanto torna simultânea a progressão narrativa, Azzarello e Cliff Chiang fazem uma edição estrondosa de harmonia artística após a ausência parcial do ilustrador no começo. É preciso reiterar o trabalho de Chiang, em como seu traço pouco detalhado permite que a diagramação seja mais liberta para acomodar o roteiro de Azzarello com ritmo. Além disso, com esse seu estilo há uma cinética muito mais desenvolvida na ação, com quadros extensos na horizontalidade que criam impacto com o mínimo de quadros. É uma deformação pouco perceptível com uma máxima emocional. Fora que a composição do quadro é mais recheada de narrativa do que ilustração embelezada.

Desse jeito, entre elipses e diagramações que pausam a história para a contemplação e avanço narrativo, a quarta edição (#22) dá, inesperadamente, o passo largo definitivo e também de imprecisão temporal para o fato da guerra iminente. O princípio moderno disso se evidencia mais consequente da harmonia artística de Cliff Chiang e Brian Azzarello. A ideia de Nova Gênesis ser introduzida, como um buraco negro que abre no chão do tabuleiro, deixando uma peça para trás (Lennox), é o aumento do escopo da batalha mesmo com a direção indefinida da narrativa. Assim, quando o final da edição 22 já parte para uma percepção mais direta de progresso, sem enrolação quanto ao que houve com Lennox, com o Primogênito e a prontidão para mais um embate familiar, como sempre foi essa guerra em passos curtos e largos, a pausa inusitada em Novas Gênesis é o tempo não imediato que pouco se conta nos processos de guerra. Apesar dessa maravilhosa dimensão paralela de em uma só edição diferenciar a visão da história que se está contando, chama ainda mais atenção como o drama curto e eficaz é produzido para ajustar as dúvidas quanto ao que Diana representa na guerra e permitir a expansão do conhecimento da profecia que tanto o Olimpo comenta sem definição.

Por isso, a relação do Pai Celestial com o filho Órion, a história de Nova Gênesis, a virada de roteiro complacente para reajustar a posição de Órion que parecia aleatória, o valor da arte de Chiang para a contemplação do que só narração, tudo isso em um curto espaço de tempo, é efetivo para induzir o ato final. Aproveitando elipses e páginas completas de ilustração, sem quadros, comportando uma edição mais pausada, mas em pleno ritmo, remete-se a um descanso calculado para a expansão do destino dos deuses: a guerra inalcançável pela paz. 

Compreendendo esse fim pacífico inacessível, Azzarello entende como tornar a teleologia do Olimpo entrelaçada com a identidade exemplar da Mulher-Maravilha, quando propõe a farsa honesta de um xadrez que não joga apenas horizontalmente no tempo, como a própria linguagem sequencial construída nas edições deste volume. Com o escopo da edição 22 indicando uma guerra num plano de poder além do Olimpo, com um chão de xadrez e cores dispostas para um grande fim, a edição 23 entrega a promessa factual e histórica de uma guerra familiar mitológica. Não há abdicação para que cada personagem tenha seu embate com o Primogênito, assim como ninguém tem paz em poucas páginas, que mesmo bem divididas em pequenos arcos dentro de um mesmo cenário, é unido pela violência dolorosa.

Por fim, Azzarello e Chiang levam a sério a ideia do heroísmo de Mulher-Maravilha da HQ que tem em mãos e valorizam cada gota de sangue e poder para dramatizar o que nunca deveria ser valorizado como violência gratuita. O Primogênito não é apenas o mal encarnado, é fruto de uma luta familiar que Diana vai assumindo. Logo, a guerra que se assume ao fazer parte da família dos deuses é dolorosa na ilusão de uma paz como cessamento heroico. Então, a representação da Amazona nesse cenário é ainda de aprendizado, de não estar pronta para a batalha, como a linguagem das edições fazem o leitor também sentir. E a entrega do que ela é capaz com seus poderes e sacrifícios demonstra a pungência moderna e ambígua de trabalhar a heroína clássica no escalar de uma grande batalha em ritmos não lineares.

Mulher Maravilha – Vol. 4: Guerra (Wonder Woman – Vol. 4: War)
Conteúdo: Mulher-Maravilha #19 à #23
Roteiro: Brian Azzarello
Arte: Cliff Chiang, Tony Akins, Goran Sudžuka
Arte-final: Cliff Chiang, Tony Akins, Dan Green, Goran Sudžuka
Cores: Matthew Wilson
Editora: DC Comics
Data de lançamento original: 12 de março de 2014
Editora no Brasil: Panini Comics
Páginas: 144

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