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Crítica | Mundo Estranho (2022)

Quando a Disney não aproveita o bom material que tem em mãos.

por Luiz Santiago
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Sabe quando você está muito cansado, depois de trabalhar em algum projeto, e, ao olhar ao redor, percebe que ainda tem muito a fazer? O que algumas pessoas fariam, nessa situação? Juntariam tudo de maneira pouco elegante para fingir que o trabalho acabou. Esta me parece ter sido a exata atitude do experiente diretor Don Hall ao se ver diante dos muitos temas que tinha em mãos para trabalhar em Mundo Estranho, uma das animações mais “escondidas” da Disney, que optou por fazer um marketing diferentão, chamando influenciadores para vender o filme, e terminou por condenar a obra — que custou a bagatela de 120 milhões de dólares — a um relativo fracasso de bilheteria, especialmente se comparada a animações da mesma safra, com investimentos mais modestos.

Qui Nguyen, que além de roteirista também co-dirigiu o filme, procurou imprimir à familiar “magia Disney” temas que merecem discussão e plena exposição em obras desse tamanho, como questionamento sobre os meios de produção de alimentos e energia (ampliando a pauta para as conversas sobre meio ambiente e pegada ecológica); e diversidade, elencando o primeiro personagem adolescente abertamente gay do estúdio. Esses pedaços de conteúdo estão fragilmente atrelados a um drama de exploração (uma aventura mista de fantasia), linha do enredo que gera o problema máximo da obra, pois o diretor não atentou para o fato de que “visitar” e “explorar” um lugar são coisas completamente diferentes. E como se não bastasse o esvaziamento de um genuíno conhecer do “mundo estranho“, passamos toda a viagem ao lado de personagens insossos.

Imaginem só. Um filme da Disney onde o público tem dificuldade de ver grande simpatia num personagem central! Essa situação ocorre porque Don Hall dedica pouco tempo a explorar esses indivíduos, não conseguindo fazê-los importantes independente de empurrões externos, como no caso de Searcher Clade, que sempre aparece à sombra de algum outro personagem; ou de seu filho Ethan, que consegue até mesmo afastar o público, porque é um personagem birrento, manhoso, com conflitos que destoam da trama como um todo e postura que majoritariamente não combina com alguém de sua idade, mesmo pensando nesse Universo tão diferente. A ausência de um personagem central icônico faz com que o filme avance empurrado por causas e efeitos de momento, caminho com as suas melhores cartadas do diretor, devido à parte estética.

As constantes brincadeiras com diagramação e narrativas típicas das histórias em quadrinhos; a ligação visual e até mesmo estrutural com aventuras de revistas pulp e o flerte óbvio com Viagem ao Centro da Terra são um deleite para os olhos. A propósito, penso que os aspectos visuais de todo o “mundo estranho” ficam ainda melhores quando nos é dada a revelação sobre “o que” é este mundo. A paleta de cores da fotografia faz ainda mais sentido, assim como a forma dos estranhos seres ali encontrados pelos humanos — numa relação que também nos convida a pensar sobre quem é o invasor e quem é que está fazendo mal a quem. Essa beleza visual e as referências aplicadas ao filme, todavia, ficam dispersas. A montagem de Mundo Estranho é um de seus elos mais fracos, com passagens de cena que confundem ou frustram o espectador, seja por não fazerem sentido, seja por serem abruptas, muitas vezes cortando momentos interessantes para mostrar a ação de um personagem chato para o qual não damos a mínima.

Essa falsa exploração do “mundo perdido” nos leva para um final que até consegue concluir os melhores pontos propostos pelo enredo, mas faz com que tenhamos um grande vazio de sentido para o longa. Afinal, estamos cara a cara com um problema tirado da cartola para substituir algo que deveria ser o grande foco da obra: a exploração verdadeira do lugar fantástico. Em compensação, Mundo Estranho nos pega pelas criações engenhosas (e por mais que o diretor queira fugir, não tem jeito: ele está parcialmente mergulhado no steampunk) e pelo calor familiar que costura aos seus problemas mambembes. Espectadores mais jovens certamente aproveitarão o filme com grande encanto. Já os mais velhos, terão motivos de sobra para saírem insatisfeitos (ou parcialmente irritados) da sessão.

Mundo Estranho (Strange World) — EUA, 2022
Direção: Don Hall, Qui Nguyen
Roteiro: Qui Nguyen
Elenco (vozes originais): Jake Gyllenhaal, Dennis Quaid, Jaboukie Young-White, Gabrielle Union, Lucy Liu, Karan Soni, Alan Tudyk, Adelina Anthony, Abraham Benrubi, Jonathan Melo, Nik Dodani, Francesca Reale, Emily Kuroda, Reed Buck, Katie Lowes, LaNisa Renee Frederick, Dave Kohut, Alice Kina Diehl
Duração: 102 min.

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