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Crítica | Mythic Quest – 3X03: Crushing It

Um tanque de guerra para desopilar o fígado.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as demais críticas.

Mythic Quest sempre se mostrou uma série corajosa, capaz de subverter expectativas e nadar contra a maré que tende a passar a mão na cabeça de diversos grupos de pessoas que têm a tendência de não olhar para si mesmos de maneira franca, mostrando-se incapazes de reconhecer que sua aparente certeza sobre suas convicções é, na verdade, pura hubris sem barreiras. Dentre outros assuntos, Crushing It volta-se mais uma vez para os fãs em geral e, particularmente, claro, pela natureza da série, para os fãs de videogames.

E é importante diferenciar o que eu escrevi – “para os fãs” – do que muita gente pode ter interpretado, ou seja “contra os fãs”, pois, muito na linha do que South Park faz, a série trabalha a ironia e o sarcasmo como veículos para conscientizar e criticar não só determinado grupo, mas também as vozes opostas, criando uma espécie de abordagem televisiva equânime, que não perdoa ninguém. No episódio, isso se manifesta pela forma como Sue Gorgon recebe a notícia de David sobre a adaptação cinematográfica do MQ e novas sugestões de Carol, que, por sua vez, abre sua guarda para o agora faxineiro Brad, que já mostra suas garras. Ela, para todos os efeitos, é o fã arquetípico, aquele que reage a mudanças se maneira arredia na mesma toada que exige “originalidade” das criações de que gosta.

O outro lado da moeda, claro, é a ambição corporativa que se revela justamente na mesma dinâmica, com produtos que, no fundo, nada acrescentam à obra original além de mais dinheiro no bolso dos executivos da empresa, em um cabo de guerra que normalmente tem o fim que é anunciado no episódio, com o fã que reclama não conseguindo se afastar daquilo que gosta e, no processo, transformando aquilo que desgosta em mais um elemento que precisa absorver como normal, em uma lógica perversa e até cruel para ele. E o melhor é que Mythic Quest consegue lidar com essas duras verdades e ironias mantendo todo o frescor e comicidade da série, com um roteiro esperto que sabe usar a crítica como força motriz para a história que os showrunners desejam contar.

Outra crítica ferina do episódio é em relação ao empoderamento feminino, quando Poppy, aliciada por Rachel, comemora o que conseguiu fazer em seu trabalho de programação em um brunch, “instituição culinária” que os americanos mais endinheirados abraçaram como um modo de vida e que, claro, é devidamente desancado no episódio. A relativização tanto do empoderamento quanto do brunch de empoderamento (chamemo-lo assim) se dá pela presença de Jo caindo de paraquedas no que seria apenas uma dupla, com a assistente faz-tudo de David servindo de fiel da balança, de despertador para a realidade “mais real” do que ficar na fila para tomar mimosas em quantidades boçais e comer muito mais do que as três refeições do dia inteiro em uma ou duas horas.

Sei muito bem que Jo é a voz do conservadorismo, do autoritarismo e do anti-politicamente correto na série e é isso que torna a personagem tão interessante e tão importante para servir de contraponto ao liberalismo rico e confortável de Poppy e Rachel (mais de Poppy do que de Rachel, claro, mas, mesmo assim, das duas). E é sensacional como o roteiro da cabo da situação, com Jo levando as duas “novas amigas” para esmagar carros com tanques de guerra, um daqueles exageros surreais profundamente americanos que, no fundo, como Poppy e Rachel deixam bem claro, todo mundo gostaria de tentar um dia para extravasar todo o tipo de sentimento reprimido, de mágoa, de raiva e de inconformismo com qualquer coisa.

No lado do puro humor nonsense – porque nem só de crítica socioeconômica vive a série – temos o sumiço de Ian e de Dana para, segundo Poppy, algum retiro no meio do deserto, e David descendo até o escritório da GrimPop para tirar onda com a futura produção cinematográfica. Ele perdido na “nave espacial” branca e sem linhas retas imaginada pela cabeça enlouquecida de Ian, sem sequer conseguir achar o botão do elevador, é sensacional, assim como é sensacional o que ele faz com seu tempo. E tudo para, ao final, ser revelado que Ian e Dana estavam ali o tempo todo, no lounge da empresa que David sequer sabia que existia. Eu falei que não havia críticas, mas, aqui, eu vejo uma belíssima estocada naquelas empresas de alta tecnologia do Vale do Silício em que praticamente tudo vale para o suposto bem-estar de seus funcionários. Ou pode ser minha imaginação, claro.

Crushing It pode não ser um episódio de efeito prático na temporada, mas ele tampouco é apenas um filler pela natureza de sitcom de espaço de trabalho da série que, naturalmente, leva à abordagens extremadas do cotidiano corporativo. Por outro lado, vemos um pouco mais de Brad colocando as manguinhas de fora no que parece seu plano de longo prazo (ou de alguns episódios) para retomar seu posto ou até mais do que apenas isso e a história ganha a linha narrativa da adaptação cinematográfica do jogo que pode render bons frutos cômicos em breve.

Mythic Quest – 3X03: Crushing It (EUA, 18 de novembro de 2022)
Criação: Rob McElhenney, Charlie Day, Megan Ganz
Direção: Steve Welch
Roteiro: Naomi Ekperigin
Elenco: Rob McElhenney, Charlotte Nicdao, David Hornsby, Danny Pudi, Jessie Ennis, Imani Hakim, Ashly Burch, Naomi Ekperigin, Caitlin McGee
Duração: 25 min.

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