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Crítica | Mythos: As Melhores Histórias de Heróis, Deuses e Titãs, de Stephen Fry

A Mitologia Grega em uma gostosa abordagem literária.

por Ritter Fan
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O britânico Stephen John Fry ou, nas artes, apenas Stephen Fry, é provavelmente mais conhecido como comediante, mas rotulá-lo desta forma é um reducionismo muito injusto, já que sua vida artística é muito mais ampla do que apenas a comédia, já tendo feito diversos trabalhos dramáticos como ator na televisão, no cinema e no teatro, além de ser, também, ator de voz, locutor de rádio, diretor, roteirista e escritor. Nessa última qualidade, Fry não é um autor eventual, que escreve apenas aqui e ali. Muito ao contrário, desde que escreveu seu primeiro romance, em 1991, ele vem contribuindo constantemente para a literatura com obras de ficção e de não-ficção, incluindo nada menos do que três autobiografias.

Mythos: As Melhores Histórias de Heróis, Deuses e Titãs é, como o subtítulo em português indica (e que o original deixa ainda mais amplo: “Os Mitos Gregos Recontados“), uma compilação de mitos gregos contados ao seu estilo repleto de pequenos e hilários comentários pessoais, mas sem, com isso, transformar seu trabalho em uma obra puramente humorística. A comicidade está sempre presente, mas ela existe muito mais para tornar a “conversa” mais coloquial, quebrando um pouco da sisudez de muitas das histórias e do lado mais acadêmico que outras obras têm, o que acaba tornando a leitura muito prazerosa. Mesmo não tendo exatamente uma abordagem profundamente intelectual, é importante salientar que seu conteúdo é muito bem pesquisado, funcionando tanto para aqueles que pouco conhecem a mitologia grega como para aqueles que estão mais acostumados com ela, até porque Fry, de maneira muito consciente da variedade de versões e interpretações que existem de muitas das lendas, escolhe aquela que se alinha ao seu pensamento, normalmente tiradas de Teogonia, do poeta grego Hesíodo, somente por vezes contando mais de uma versão da mesma história.

Em termos de estrutura, Fry faz um valoroso esforço para seguir uma ordem cronológica clara, começando pelo começo de tudo, com divindades mais abstratas como Caos, Tártaro, Eros, Erebus e Gaia que, sozinha, teve Urano que, por sua vez, fertilizou a mãe gerando os Titãs, as Titânides e os Ciclopes, com os Titãs e Titânides, por seu turno, gerando os deuses “modernos”, como Zeus. Ou seja, Fry cria uma perfeitamente compreensível, ainda que vasta e por vezes bastante complexa, árvore genealógica de entidades e deuses, lidando com cada uma de suas histórias e narrativas paralelas, abordando a estrondosa Titanomaquia que opôs os Titãs liderados por Cronos aos deuses olímpicos liderados por Zeus e, também, diversos outros contos mais “terrenos” como, por exemplo, o do Rei Midas, famoso por ser aquele que transforma tudo o que toca em ouro, inclusive sua família.

Dentro do possível, Fry escreve seu livro como um romance tradicional. Seus capítulos e subcapítulos (e sub-subcapítulos) são divididos pelos personagens e situações que ele deseja abordar, mas ele sempre tenta fazer a conexão do que veio antes com o que aborda em seguida, criando uma concatenação de raciocínio razoavelmente fácil de seguir, ainda que ele nem sempre realmente alcance seu objetivo, tendo, então, que partir para histórias mais desconexas, mas que de forma alguma atrapalha a fluidez do conjunto. Da mesma forma, em razão do variado material base que serviu de pesquisa, não há um exato equilíbrio do quanto cada entidade/deus/herói/mito ganha de destaque, dependendo da riqueza – ou não – das lendas e da importância de determinado personagem ou situação para o que vem a seguir.

Com isso eu quero dizer que Mythos não deve ser lido como um compilação comum de contos pode ser lida, ou seja, de maneira não cronológica. Stephen Fry criou uma ordem possível e ele faz bom uso dela para informar o conto seguinte e assim por diante, realmente emprestando um caráter de romance único a uma obra que, folheando o índice, parece ser extremamente fragmentada. Diria que é esse o grande diferencial de Mythos em relação a outros livros de temática semelhante, ainda que uma coisa não substitua necessariamente a outra. Ao contrário até, diria que o trabalho de Fry pode abrir o apetite do leitor para a pesquisa mais aprofundada de diversas das histórias contadas pelo autor, algo que aconteceu comigo em relação às divindades primordiais, que se confundem com a composição do próprio planeta e que uma abordagem relativamente econômica no início da obra.

Mythos: As Melhores Histórias de Heróis, Deuses e Titãs, portanto, conta de maneira divertida, organizada e bem escrita uma sadia quantidade de fascinantes mitos gregos que povoam de diversas maneiras diferentes o imaginário popular. É uma obra para ser apreciada sem nenhuma parcimônia, pois Stephen Fry consegue criar tamanho ritmo que é irresistível ler “só até o próximo capítulo” ao final de cada capítulo e, quando finalmente o volume acaba, fica aquela felicidade em saber que há outros dois – Heróis e Tróia – para permitir o retorno a esse mundo imaginário antigo contado de forma moderna e relevante.

Mythos: As Melhores Histórias de Heróis, Deuses e Titãs (Mythos: The Greek Myths Retold – Reino Unido, 2017)
Autor: Stephen Fry
Editora original: Michael Joseph
Data original de publicação: 02 de novembro de 2017
Editora no Brasil: Editora Planeta Minotauro
Data de publicação no Brasil: 20 de setembro de 2018
Páginas: 368

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