Quando lançado, não compreendi os motivos para rejeição deste filme por parte da crítica especializada. Atendeu ao que era solicitado como diletantismo num sábado qualquer de 2004, divertindo e até promovendo debates entre aqueles que assistiam ao desenvolvimento da história de terror com mescla de elementos traumáticos. Agora, duas décadas depois da primeira experiência com Na Companhia do Medo, deu para entender melhor as causas que fizeram tal produção não ser abraçada de maneira completa. Mesmo que sua estética seja eficiente, em especial, a direção de fotografia de Matthew Libatique e o design de produção azulado e frio de Graham Walker, a sensação que se tem diante da trama é que muitas peças ali estão fora do lugar. Isso não quer dizer que o terror seja pecaminoso de ruim, mas, se explorado por realizadores mais competentes, teria sido muito melhor do que o material que nos foi entregue em sua versão final. No geral, funciona como entretenimento, mas falta manutenção do ritmo ao longo de quase duas horas de projeção. John Ottman, apesar de geralmente entregar texturas percussivas atrativas, parece que conduz sempre o mesmo trabalho em todos os seus filmes, modificando as suas trilhas com pequenas variações que não são muito significativas.
Em Na Companhia do Medo, terror psicológico lançado em 2003, dirigido por Mathieu Kassovitz e escrito por Sebastian Gutierrez, temos uma narrativa que trata de temas complexos e inquietantes, envolvendo elementos de mistério, suspense e uma exploração do trauma, mas infelizmente perde bastante do seu ritmo ao longo da execução, deixando de ser ótimo para se qualificar como apenas bom. Talvez, médio. O filme se passa predominantemente em um hospital psiquiátrico, que serve como um microcosmo para os medos e dilemas enfrentados pelos personagens. O ambiente claustrofóbico e opressivo amplifica a tensão e o terror psicológico. A protagonista, Dr. Miranda Grey (interpretada por Halle Berry), vive uma crise de identidade após se ver transformada de terapeuta a paciente. A perda da memória e a luta para recuperar a verdade sobre o que aconteceu refletem as questões sobre quem somos verdadeiramente em momentos de crise. Mesmo com seu ótimo desempenho, algo rotineiro na jornada da atriz, a condução da trama prejudica os debates com muitas dispersões. A sua falta de originalidade ea utilização excessiva de clichês comuns no gênero de mistério prejudicam o desenvolvimento e, além disso, o enredo apresenta uma série de absurdos e buracos narrativos que comprometem sua coesão, resultando em uma experiência cinematográfica pouco inovadora e decepcionante.
Denso, o filme toca em temas de violência de gênero, apresentando a protagonista enfrentando não apenas suas dúvidas internas, mas também um ambiente que muitas vezes é hostil a figuras femininas. A violência contra mulheres e a desumanização são temas que permeiam a narrativa, mas a sensação que temos é que falta profundidade em alguma coisa. Os sustos e os excessos ganham espaço, deixando de lado a densidade psicológica da temática. O filme destaca como as interações pessoais e as relações moldam a experiência humana, revelando segredos e imagens do passado que têm um impacto significativo no presente. Psiquiatra na Penitenciária de Woodward, vive um drama intenso após um acidente de carro em uma noite de tempestade, onde tenta evitar atropelar uma jovem. Essa garota, na verdade, é um fantasma que toma posse do corpo de Miranda. Ao recuperar a consciência, Miranda descobre que foi hospitalizada e que seu marido, Douglas, foi brutalmente assassinado, tornando-a a principal suspeita do crime. Suas memórias estão nebulosas devido ao estado de confusão e medicação, enquanto o fantasma utiliza seu corpo para deixar mensagens perturbadoras, como esculpir “Não Sozinha” em seu braço, fazendo com que as pessoas ao seu redor comecem a acreditar que ela está se suicidando.
Ao longo de seus 98 minutos, o enredo é construído em torno de visões perturbadoras que a protagonista experimenta, levantando questões sobre o que é real e o que é fruto da psique dela. Essa confusão entre realidade e alucinação gera um estado constante de suspense e incerteza. A trama foca em explorar estigmas relacionados à doença mental, questionando a linha entre sanidade e loucura. A trajetória de Miranda revela que as percepções das pessoas sobre a saúde mental frequentemente têm bases errôneas e são moldadas pela ignorância. Ademais, a narrativa também se foca em temas de vingança e ressentimento, à medida que os fantasmas, tanto literais quanto figurativos, perseguem os personagens. Isso nos leva a refletir sobre as consequências não resolvidas de ações passadas. A luta interna de Miranda representa a dualidade do ser humano entre o bem e o mal. A progressão do filme leva os espectadores a questionar as motivações e a moralidade dos personagens, criando uma ambiguidade moral. Elementos do sobrenatural são incorporados ao enredo, e as manifestações espíritas que Miranda encontra são um convite à exploração do medo do desconhecido. O uso do sobrenatural também funciona como uma metáfora para lutas internas e traumas. Imagine todos esses pontos impactantes, trabalhados por uma direção desgovernada. É essa a sensação ao final.
Se não assistido com muita exigência ou expectativa, vai funciona bastante. Faça a tentativa, caro leitor, se ainda não teve tal experiência. Quem sabe?
Na Companhia do Medo (Gothika, Estados Unidos – 2003)
Direção: Mathieu Kassovitz
Roteiro: Sebastian Gutierrez
Elenco: Halle Berry, Penélope Cruz, Robert Downey Jr. , Charles S. Dutton, John Carroll Lynch, Bernard Hill, Dorian Harewood, Kathleen Mackey, Matthew G. Taylor, Andrea Sheldon, Amy Sloan
Duração: 97 minutos
