Home FilmesCríticas Crítica | Não! Não Olhe! (Nope)

Crítica | Não! Não Olhe! (Nope)

Ignorar parece inevitável.

por Felipe Oliveira
14,5K views

Quando Nós, o segundo filme de Jordan Peele como diretor, ganhou o primeiro trailer, a reação se dividiu entre quem achou que já tinha desvendado a temática e quem acreditava que um filme tão aguardado não poderia ser tão óbvio ao falar de dualidade, de um mal que queremos esconder internamente. Essa expectativa sobre o que Peele iria trazer em seus projetos acabou sendo sabiamente usada no marketing de Não! Não Olhe!, ao termos tudo apontando para uma trama acerca de alienígenas, mas que continuava a perguntar ao público: do que se trata Nope? A chegada de extraterrestres na terra? De uma nave, abdução — ou um pedaço do céu está caindo? Com esse suspense rendendo um boca a boca, querer matar a curiosidade para o que o longa reserva é algo tentador.

Diferente de Us, que apresentou várias nuances interpretativas junto a reviravoltas, Peele não se preocupou muito em organizar Nope com elementos misteriosos a fim conduzir o espectador por twists, mas de jogar com um fator já estabelecido: as expectativas. Diria que esse é dos seus trabalhos com mais apelo popular ao definir um tom puxado pra comédia por quase toda a  duração, e essa pegada fica a cargo de Emerald Haywood (Keke Palmer) e o divertido Angel (Brandon Perea), e também, há uns acenos cômicos que acompanham a gíria impressa no título original do filme. Ainda que não se distribua por peças enigmáticas para sua compreensão, Peele acerta pelo tema proposto, mas falha na divisão desse escopo.

Utilizando mais uma vez uma conjectura religiosa, Peele inicia Nope com citação bíblica de Naum 3:6, que diz: “E lançarei sobre ti coisas abomináveis, e envergonhar-te-ei, e pôr-te-ei como espetáculo“. Nesse contexto, Deus lançava uma profecia à cidade de Nínive por suas demonstrações exacerbadas de violência e idolatria, então, quando o castigo viesse, todos ficariam sabendo (e pôe-te-ei como espetáculo). Se em Nós, o verso de Jeremias 11:11 funcionava como uma indicação interna a mitologia do filme, aqui, o verso de Naum introduz um paralelo aos eventos do enredo, com ênfase para a ideia de espetáculo. Uma alusão que imprime o ato do que está sendo contemplado; aquilo que não dá pra ter a atenção desviada.

Essa colocação pode ser melhor entendida no capítulo do chimpanzé Gordy, o programa televisivo que termina em tragédia e serve como plano de fundo de Jupe (Steven Yeun). Essa conexão é o que configura a síntese da isolada cidade fictícia de Aqua Dulce. Podemos observar que mesmo se passando numa linha atual, não há muitas menções às redes sociais e websites, mas conhecemos uma comunidade que aprendeu a se reunir e apreciar o que há de mais chamativo no parque Jupiter ‘s Claim, conduzido por Jupe. O sucesso do local se dá pela fama ligada a um passado traumático do personagem, então, isso estabelece uma relação complicada porque, ao mesmo tempo que ele dirige um popular negócio, não consegue desgrudar daquilo que promove sua relevância. É uma linha de exploração atrelada à tragédia, e é o que atrai a audiência.

Quando digo que Peele trabalha para subverter as expectativas, isso é selado na criatura extraterrestre ao qual o filme tem sido alarmado. Se pudermos notar, há um exercício sobre prender a atenção sendo constantemente empregado para manipular a curiosidade, e o trabalho técnico insere uma imersão experimental única ao fazer o público se sentir atraído em contemplar o que quer seja o fenômeno que passa por Aqua Dulce. Para isso, planos fechados e movimentos de câmera do ponto de vista capturam bem essa sensação e artifício de Peele, já que sua temática se trata de discutir a fixação por espetáculos e o quão condicionamos nossa atenção a isso.

Jupe cresceu vinculado a uma tragédia, e no trajeto ele descobriu uma forma de trazer o atrativo número um que valeria a atenção total do seu público: a criatura desconhecida presente na cidade. Desse modo, é como se Aqua Dulce representasse uma vitrine famosa pelo que põe em exposição, e a figura apontada como extraterrestre age conforme é observada. O modo com o qual ela cada vez mais se modifica, talvez diga mais sobre o que a audiência manifesta na curiosidade do que a natureza da criatura em si, porque, ao que achamos a ter entendido, mais essa percepção é contrariada.

Se tratando de personagens, a dinâmica entre os irmãos gêmeos protagonistas OJ (Daniel Kaluuya) e Emerald funciona de maneira assertiva. Embora Palmer apresente uma desenvoltura solta para trabalhar com o humor do filme, a relação de apoio e cumplicidade que há entre ela e seu irmão rende mais pela conexão e amizade do que por momentos dramáticos pontuais. Mas como em Corra! Kaluuya detém um papel que impacta pela maneira como transfere emoção. OJ é um jovem adulto que sofre de dislexia e que está sofrendo pela perda recente do pai, e por ainda ter que continuar tocando o negócio da família como treinador de cavalos para atuação em Hollywood. Indo em uma linha diferente, a breve história de origem da companhia dos Haywood oferece outro olhar sobre exploração ao contar sobre como o primeiro conjunto de fotos em movimento protagonizado por um negro, acabou sendo suprimido pela indústria cinematográfica.

Como se diz milagre ruim“?, é uma pergunta feita por OJ a sua irmã, o que define bem a mitologia inspirada em clássicos de aventura e sci-fi que Peele emprega em Nope. Nesse caso, a presença da criatura não vem como uma história épica de luta por sobrevivência, mas revela uma cultura de exploração pelo espetáculo e repercussão. O caminho mais fácil seria os irmãos filmarem o fenômeno e viralizar na internet, no entanto, o que buscam é um meio de fazer uma grande filmagem para poderem se tornar ricos, o que se torna a corrida emocional e alegórica do filme, ao tecer como os irmãos, Jupe, todos estudam um jeito de fazer com o que o fenômeno em Aqua Dulce seja notório.

Com uma composição técnica que oferece uma boa experiência cinematográfica munida com um estrondoso e imersivo trabalho de som, Não! Não Olhe! sofre na ambição de contar a própria história. Certo que há momentos inspirados em que o filme consegue ser visualmente belo e assustador, porém, falta aqui uma energia ao ritmo e como a direção executa as ideias. O tom se mostra algumas vezes narrativamente arrastado, e o exercício de querer esconder o óbvio para oferecer um épico visual, termina por demonstrar muito espetáculo e suspensão do que substância. A exemplo do bloco sobre Gordy, que consegue ter mais impacto e gerar empolgação do que como a edição divide os capítulos a fim de preparar para o clímax, que já chega morno. Além do apoio nas tiradas de humor que não caiu tão bem como um equilíbrio esperado entre o suspense e a tensão, é como se toda espetacularização se aproveitasse mais em alguns trechos do que outros.

No mais, Nope vale pela experiência, mas decepciona em como apresenta tudo o que quer discutir.

Não! Não Olhe! (Nope – EUA, 2022)
Direção: Jordan Peele
Roteiro: Jordan Peele
Elenco: Daniel Kaluuya, Keke Palmer, Steven Yeun, Brandon Perea, Michael Wincott, Keith David, Wrenn Schmidt
Duração: 130 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais