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Crítica | Nathan Never – Vols. 18 e 19: Abismo da Memória e O 11° Mandamento

O peso do passado.

por Luiz Santiago
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Percorremos um bom caminho até chegarmos a um arco de Nathan Never em que conhecemos o seu passado. Abismo da Memória e O 11° Mandamento acabam sendo um choque para o leitor porque revela muita coisa, a maior parte delas sendo bastante trágica e que justifica muito do que conhecemos de Nathan a partir do momento em que o encontramos pela primeira vez, em Agente Especial Alfa. Não sei dizer se, cronologicamente, existem histórias que se passam antes da primeira edição da série, mas independente disso, os acontecimentos que temos no presente arco explicam o motivo pelo qual o personagem se tornou um investigador particular (até Legs Weaver faz um cameo aqui!) e mais uma série de coisas relacionadas ao seu comportamento ou à forma como ele enxerga casos familiares no exercício de sua função.

O roteiro de Michele Medda divide a história em dois grandes blocos dramáticos com uma ligação direta entre eles, tanto no presente quanto no passado. A qualidade de cada um também é diferente, e isso traz um peso na avaliação final dos volumes. Tudo o que está ligado à vida passada de Nathan Never é a parte irretocável do enredo (e se fosse só por ela, eu teria dado meio ‘halzinho‘ a mais de nota). Já quase tudo o que está ligado à existência do psicopata Ned Mace acaba se tornando um probleminha, no meu ponto de vista. Sim, é uma trama boa e orgânica, mas comparada à qualidade e profundidade do passado de Never, fica bastante aquém. Vejo essa diferença, no entanto, como uma armadilha de roteiro, porque Mace é a chave da tragédia para Never, a pessoa que desencadeia todas as grandiosas mudanças pelas quais o personagem passa. Ao mesmo tempo é  a pessoa cuja constituição atual — cobaia de em um estudo científico questionável — representa mais uma pequena barriga no roteiro do que qualquer outra coisa.

Não sou muito fã da arte de Nicola Mari nesses dois volumes. Prefiro mais o trabalho passado dele na série, em A Zona Proibida e Os Homens-Sombra. E vejam que eu normalmente não sou muito chato com arte não. Sempre procuro encontrar o olhar do artista e alinhar a proposta do roteiro aos desenhos, no casamento que trará a essência da HQ. Aqui, entretanto, o principal problema é a finalização de quadros do presente. Notem que existem alguns quadros em que o artista desenha apenas um conjunto simples de linhas, não faz nenhum tipo de preenchimento/contexto visual na profundidade de campo dos personagens e acaba confundindo o nosso ponto de vista, uma vez que a narrativa aqui não é totalmente linear.

Se esse estilo mais despreocupado e solto fosse visto exclusivamente nas sequências do passado, eu não veria problema. Isso porque claramente estaria indicando aquilo que o título da primeira edição nos aponta: o abismo em que as nossas memórias caem. Seria como se os personagens estivessem vendo de maneira difusa, imprecisa, o que se passou lá atrás. Mas não é bem assim que acontece. Esse padrão de desenho é encontrado muito mais no presente (um uso que não dialoga com a história e, nesse ponto, rejeito o argumento de que “é apenas o estilo do artista“, porque outros quadros provam que este é apenas UM dos muitos modelos de traço e finalização que ele usa) e, como já disse, confunde um pouco o nosso ritmo de leitura nas passagens entre os diferentes tempos da história — alguns cortes aqui, porém, são realmente incríveis, com as cenas dialogando perfeitamente umas com as outras.

Como eu não tomei nenhum spoiler sobre como era a vida de Nathan Never antes de entrar para a Agência Alfa (e, a bem da verdade, o por quê de ele entrar), fiquei muito impressionado com essas duas edições. Nem esperava que fossem contar a vida do personagem e isso também foi uma boa surpresa aqui. Gostei imensamente dos dois tipos de trauma que o roteiro aborda — o infantil e o adulto –, além da discussão das relações familiares e um pouco do comportamento, sentimentos e atitudes de Never antes de ser o durão que a gente conhece. Abismo da Memória e O 11° Mandamento são histórias de origem com alguns elementos que poderiam facilmente ser retirados para o bem da narrativa (o negócio de Ann ser uma mutante, por exemplo), mas que consegue explicar de forma humana, sentimental, séria e instigante as motivações do herói do título. Um arco essencial e imperdível.

Nathan Never: L’abisso delle memorie / L’undicesimo comandamento (Itália, novembro e dezembro de 1992)
No Brasil:
Nathan Never n°1 e 2 (Ediouro, abril e maio de 2005)
Roteiro: Michele Medda
Arte: Nicola Mari
Capa: Claudio Castellini
200 páginas

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