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Crítica | Neon Genesis Evangelion: The End of Evangelion

por Kevin Rick
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É curioso como, apesar das diferentes propostas dramáticas, tanto o final da série quanto o desfecho alternativo de The End of Evangelion partem da mesma linguagem experimental, mas, claro, há quem odeie o desfecho do anime pela (ótima) não linearidade da conclusão, enquanto defenda este filme somente por causa do seu teor violento e hediondo, o que é um desserviço às duas resoluções. Eu mesmo tenho minhas ressalvas com o final da série em como há uma falta de peso e conclusão dramática no discurso psicanalítico otimista, mas continuo gostando da coragem – a despeito da falta de verba – em finalizar a obra em um tom experimental, muito bem aliado com o contexto metafísico que permeia a história.

Infelizmente, “fãs” sendo “fãs”, houve todo um backlash em relação aos dois episódios finais do anime, inclusive com cartas agressivas e ameaças direcionadas a Hideaki Anno e a equipe criativa por trás da série, resultando neste filme, tanto um produto resultante de um público enraivecido, como também a oportunidade artística para Anno finalizar sua história sem amarras de tempo e produção, continuando a narrativa a partir do 24º episódio em um novo final – mais explosivo, sanguinário e repugnante, como todo bom raso fã de Arte gosta. Aliás, existe bastante discussão em volta do aspecto mais agressivo do filme, se é ou não um reflexo da repercussão negativa que Anno recebeu. Eu certamente vejo a influência – existe todo um bloco em que o cineasta faz uma montagem com imagens reais do seu público, em tom de sarro/crítica -, mas enquadrar The End of Evangelion apenas como consequência de reclamações estúpidas seria fazer o mesmo desserviço que delimitar a obra a seu contexto de pancadaria e violência.

Para mim, o filme é basicamente Anno levando a ideia do alternativo à enésima potência, não apenas dando um novo final, mas transformando completamente o tom da franquia, especialmente no campo visual, para revirar seu drama em direção a um ideal mais pessimista em relação a Humanidade. A partir do momento que Shinji se masturba para uma hospitalizada Asuka, o cineasta cria um cenário perturbador que vai completamente na contramão do drama intimista com pequenos vislumbres de esperança e aprendizado (configurados no desfecho anterior) que ditam a narrativa da série. O autor deixa de colocar em xeque a valorização do indivíduo (saíssem a intimidade, a pureza empática com as crises cotidianas e o viés contemplativo), para dar espaço à podridão frenética do coletivo. Aliás, a narrativa coloca em questionamento se o indivíduo sequer tem valor no ambiente pervertido.

Dessa forma, o conflito deixa de estar em ação, mas sempre em reação (em termos de narrativa, não pancadaria), pois o foco não são os personagens em meio às adversidades, mas o próprio mundo em si, com o elenco submisso aos acontecimentos. É nesta nova proposta que se distancia da pessoalidade que as alegorias da série deixam de ser apenas simbólicas, para ganharem um espaço ativo e prático na experiência apocalíptica. Assim, a violência e a pancadaria exageradas fazem sentido como elementos contextuais para a abrangência cética e não do retrato particular, criando no filme um encadeamento sempre em clímax, sem fôlego ou paradas, totalmente inverso da série.

Logo, se a construção dramática é, agora, inteiramente visual, nega-se a jornada intrínseca para converter o discurso em um jogo de imagens em constante redefinição, sempre procurando falar de seus temas de conflito (isolamento, escapismo, medo do desconhecido) com a profanidade da imagem – violação sexual, sangue, morte e a própria mitologia cataclísmica. Vemos isso nos personagens, Asuka é mais violenta, Shinji é ainda mais covarde, enquanto o restante do elenco vão caindo como dominós irrelevantes na catástrofe imparável. Porque eles não importam. O humano individual não importa mais, pois o foco é a Humanidade. Quer mais alternativo (e pessimismo) do que parar de pensar no sujeito, e sim no organismo?

Nessa estética mais épica do filme é que vemos sua qualidade como uma grande experiência cinematográfica, desde o visual perturbador das várias dimensões físicas, metafísicas, científicas e espirituais, a movimentação e coreografia fantástica durante batalhas, até a trilha sonora erudita que vai do triunfante a catarse em segundos. Mas, acima de tudo, sua integração visual trabalha uma ressignificação de tudo que a série representa, procurando retratar seus conflitos em um papel mais agressivo, colocando em confronto como a humanidade procura escapar da realidade na ficção em toda essa embalagem cínica com o visual catastrófico e simbólico mais imbuído narrativamente, distanciando-se do íntimo.

Querer compelir alguma mensagem, ou simplesmente achar que sua interpretação é a “correta”, como vemos tantos boçais por aí expressarem como se sua análise fosse uma verdade absoluta, é diminuir a complexidade dada por Anno, que procura dar dezenas de perspectivas para sua própria visão – o próprio fato dos dois desfechos serem tão destoantes comprovam a necessidade de diferentes leituras (digam a de vocês, por favor). Como viram no texto, para mim, The End of Evangelion procura o oposto retrato humano da série, buscando no visual apocalíptico, profano e perturbador, as alegorias religiosas como meio de fazer um tratamento pessimista do coletivo (daí a imposição da morte e renascimento), ainda que, de certa forma, examina nos diálogos entre Shinji e Asuka, durante a montagem de eventos reais, a necessidade de encarar a realidade e demandar a individualidade. Dito isso, a cena final entre os personagens na praia, a gênese humana condenada a repetir os mesmo erros, expõe o fracasso do ser humano na frase de Asuka: “Que nojo“. A Humanidade erra no coletivo, no individual e na tentativa de ser perfeita (deuses). Não é mais sobre redenção. Só temos a esperança no Apocalipse. Uma grande experiência audiovisual.

Neon Genesis Evangelion: The End of Evangelion (Shin Seiki Evangerion Gekijō-ban: Ea/Magokoro o, Kimi ni) | Japão, 1997
Direção: Hideaki Anno, Kazuya Tsurumaki
Roteiro: Hideaki Anno
Elenco: Megumi Ogata, Kotono Mitsuishi, Megumi Hayashibara, Yūko Miyamura, Fumihiko Tachiki, Yuriko Yamaguchi, Motomu Kiyokawa, Kōichi Yamadera, Hiro Yūki, Miki Nagasawa, Takehito Koyasu, Akira Ishida, Tomokazu Seki, Tetsuya Iwanaga, Junko Iwao
Duração: 87 min.

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