Quando New Girl estreou em 2011, era fácil pensar que se tratava de mais uma sitcom leve entre tantas outras. O marketing vendia o charme excêntrico de Zooey Deschanel e a imagem da “garota diferente” em um loft cheio de homens, fórmula que poderia facilmente cair no estereótipo da comédia de costumes previsível. Mas, ao longo de sete temporadas, a série mostrou-se mais do que uma vitrine para o carisma de sua protagonista: foi uma das últimas sitcoms de rede aberta capazes de combinar nonsense, coração e improviso emocional em uma narrativa que talvez seja o mais próximo que tivemos de um screwball comedy moderno na televisão, que envelheceu com seus personagens e que, ao fim, deixou a sensação de ter acompanhado uma família criada pelo acaso.
A primeira temporada ainda traz muito do manual de sitcom. Jessica Day (Deschanel) é apresentada como a professora atrapalhada, recém-saída de um relacionamento, que vai morar com três caras, Nick (Jake Johnson), Schmidt (Max Greenfield) e Winston (Lamorne Morris, que se junta de vez após a saída de Damon Wayans Jr., o Coach). O contraste entre a ingenuidade de Jess e a rudeza ou patetice dos novos colegas é a base das piadas iniciais. Só que logo a série entende que seu melhor trunfo não é exatamente a “estranheza” de Jess, mas a forma como cada personagem, com suas próprias excentricidades, se completa. O humor vem da coletividade, das reações desproporcionais, das falas soltas e do timing entre um grupo de atores que desenvolveu uma boa química ao longo do seriado.
Com o tempo, New Girl se tornou uma narrativa sobre amizade adulta em uma fase da vida que raramente ganha tanto espaço na televisão: os trinta anos, esse limbo entre juventude e responsabilidades definitivas. Os personagens são imaturos, inseguros, caóticos, e extremamente caricaturais (principalmente à medida que a série se afunda cada vez mais no humor sem noção), mas também afetivos. Nick, o barman com alma de escritor fracassado, é um dos exemplos mais cativantes dessa mistura de sarcasmo e fragilidade. Schmidt, que começou como o típico caricatural “bro” obcecado por status e aparência, ganha camadas até se tornar talvez o personagem mais humano, sempre com ótima comédia física (seu arco me lembra um pouco a gradual transformação de Ross, em Friends). Winston, deslocado por uma boa parcela da série, cresce em importância na reta final até se transformar no motor das situações mais absurdas e criativas da série. E Jess, embora perca um pouco do espaço central com o passar das temporadas, continua sendo o coração que costura a convivência, seja pelo otimismo infantil, seja pela frustração quando percebe que sua idealização do mundo não se sustenta.
Uma das maiores qualidades da série é sua coragem em deixar os personagens evoluírem. O romance entre Nick e Jess, por exemplo, não é apenas um morde e assopra arrastado para manter audiência, mas sim um arco com idas e vindas que reflete a bagunça real de relacionamentos entre pessoas que não sabem exatamente o que querem da vida. Ao contrário de muitas sitcoms que se perdem quando seus casais principais finalmente ficam juntos, New Girl se permite arriscar, separar, reconectar e explorar consequências. O mesmo vale para Schmidt e Cece (Hannah Simone), cuja relação começa em chave cômica, mas amadurece para uma das mais satisfatórias da série, apesar de eu nunca achar eles um bom match.
Claro que New Girl tem sua parcela de irregularidades e limitações. Há temporadas em que o humor se apoia demais em exageros ou ganchos repetidos. A sexta temporada, em especial, tem um ritmo mais cansado, reflexo de uma fórmula já conhecida e de uma produção que já tinha que ter terminado. Mas a última temporada curta consegue dar um fechamento digno ao grupo, trazendo uma sensação de reencontro nostálgico e amarrando pontas soltas com a leveza que sempre foi marca da série.
O que diferencia New Girl de tantas sitcoms do mesmo período é justamente a combinação de humor absurdo com a comédia mais leve. A série vai perdendo o medo de ser boba, de exagerar no slapstick ou nos diálogos nonsense (com Winston, sobretudo, isso se tornou um estilo próprio) à medida que a história avança, fazendo com que, mesmo sem ser um fenômeno de qualidade ou cultural do porte de Friends ou The Office, conquistasse uma base fiel que continua revisitando suas temporadas até hoje ao ter um estilo próprio.
Visualmente simples, como a maioria das sitcoms de estúdio, a série se destaca não pela estética, mas pelo ritmo dos roteiros e pela entrega dos atores. Jake Johnson e Max Greenfield, em especial, mostram ótimo timing cômico e comédia física, transformando diálogos banais em cenas memoráveis (adoro a constante gag deles serem opostos no que tange à afeto e contato físico). Zooey Deschanel sustenta o tom birutinha de Jess sem cair totalmente no estereótipo, ainda que flerte com isso em alguns episódios. E Lamorne Morris, muitas vezes esquecido e subestimado, encontra em Winston o espaço perfeito para improviso e experimentação, sendo gradualmente o que mais incorpora o espírito anárquico da série.
No balanço geral, New Girl não é uma sitcom revolucionária, tampouco tem uma qualidade que a coloque na primeira prateleira do gênero, mas é uma das mais consistentes de sua geração. Sua força está na capacidade de rir da imaturidade e da vulnerabilidade da vida adulta sem cinismo. Ao final, acompanhamos não apenas as piadas de situações absurdas, mas a trajetória de um grupo que se torna mais próximo e mais maduro, mesmo sem perder o caos que os define. É essa combinação de bom humor dentro de clichês, coração e autenticidade que faz de New Girl uma série que merece ser lembrada, não como obra-prima do gênero, mas como uma comédia calorosa e confortável que soube dar voz a uma geração que ainda estava tentando descobrir como crescer.
New Girl | EUA, 2011-2018
Criação e desenvolvimento: Elizabeth Meriwether
Direção: Vários
Roteiro: Vários
Elenco: Zooey Deschanel, Jake Johnson, Max Greenfield, Lamorne Morris, Hannah Simone, Damon Wayans Jr.
Duração: aprox. 20-30 min. por episódio (146 episódios)
