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Crítica | “Ney Matogrosso (1981)” – Ney Matogrosso

Homem com H.

por Iago Iastrov
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A mudança para a Ariola, em 1981, representou mais que troca de gravadora: foi a oportunidade de Ney Matogrosso redefinir seus parâmetros artísticos. Aos 40 anos, o cantor mostraria que sua singularidade transcendia modismos e que sua voz merecia tratamento à altura de sua excepcionalidade. A própria capa do álbum homônimo anuncia essa transformação: Ney aparece despojado, sem excessos visuais, destacado em meio à metrópole iluminada e coroado por uma águia majestosa que simboliza tanto liberdade quanto elevação artística. A parceria com Marco Mazzola na produção, somada aos arranjos de César Camargo Mariano e Lincoln Olivetti, materializava essa ambição: criar um disco que funcionasse como marco definitivo de uma nova fase criativa.

A escolha de abrir com Deixa a Menina, de Chico Buarque, já sinaliza a intenção de dialogar com a MPB de qualidade. O arranjo de César Camargo Mariano, elegante e bem estruturado, permite que a voz de Ney flua naturalmente sobre uma base densa, mas nunca carregada. É um cartão de visitas perfeito para quem queria ser levado a sério. Espinha de Bacalhau traz uma das maiores surpresas do disco, com Gal Costa dividindo os vocais e a Orquestra Tabajara nos arranjos de Severino Araújo. A sonoridade de big band jazz funciona perfeitamente, mostrando a versatilidade interpretativa de Ney em territórios distintos dos usuais.

O minimalismo de Viajante prova que o cantor não precisa de artifícios para sustentar uma interpretação. Apenas piano, percussão sutil e efeitos atmosféricos bastam para criar um dos momentos mais introspectivos e bem realizados do álbum. Homem com H é, sem dúvida, o grande acerto comercial e artístico do disco. O forró de Antônio Barros, arranjado por Oswaldinho com acordeon autêntico e até participação de Bezerra da Silva no agogô, transporta Ney para o Nordeste com surpreendente naturalidade. A letra, que questiona estereótipos de masculinidade com humor inteligente, mostra como abordar temas sociais sem perder o apelo popular. Não à toa, virou um dos maiores sucessos da carreira.

Amor Objeto, de Rita Lee e Roberto de Carvalho, ganha vida através do arranjo sofisticado de Lincoln Olivetti, que combina teclados eletrônicos com sopros tradicionais. É MPB atualizada para os anos 1980, sem perder identidade. Se há um momento de menor inspiração no disco, é Vida, Vida. Apesar da competência técnica de César Camargo Mariano no arranjo e da execução irrepreensível, a canção não estabelece a mesma conexão orgânica das demais faixas comigo. O excesso de elementos na textura musical acaba diminuindo o impacto interpretativo. De Marte compensa qualquer tropeço anterior. A composição de Luhli e Lucinha ganha uma atmosfera etérea através do arranjo inventivo que incorpora cítara elétrica (Sérgio Dias) e efeitos sonoros. Ney interpreta com delicadeza e precisão, explorando as possibilidades fantásticas da canção sem excessos. O encerramento com Folia no Matagal traz elementos regionais através do arranjo exuberante de Ivan Paulo, com guitarra baiana, xilofone e coro de oito vozes. É uma celebração que fecha o disco em clima festivo.

Este álbum evita excessos, rejeita reinvenções artificiais e preserva a boa música acima de qualquer capricho. Ney encontrou aqui uma síntese entre sua inquietação natural e a necessidade de dialogar públicos diversos. O resultado é um disco que respira com naturalidade, onde cada faixa parece ter encontrado seu lugar no conjunto. É um trabalho maduro e consistente, que chama atenção pelo que diz, sempre com muita precisão e lirismo.

Aumenta!: Homem com H
Diminui!: 

Ney Matogrosso
Artista: Ney Matogrosso
País: Brasil
Lançamento: 1981
Gravadora: Ariola
Estilo: MPB, Forró, Jazz, Pop, Rock
Duração: 33 min.

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