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Crítica | “Nheengatu” – Titãs

por Handerson Ornelas
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Nheengatu – palavra indígena que significa Língua Geral, compilação que os jesuítas fizeram no século XVII dos diferentes dialetos indígenas brasileiros para que índios e portugueses se entendessem.

Torre de Babel – um mito bíblico que fala de uma torre que os homens construíram para chegar ao céu, mas que foi destruída devido à falta de entendimento entre eles, que falavam línguas diferentes e não conseguiam se entender.

A capa e o título apresentam um paradoxo interessante: uma torre que foi destruída pela falta de entendimento e uma língua que foi criada para favorecer o entendimento. Na tentativa de fazer uma foto instantânea do Brasil atual, as duas ideias se contrapõem bem: uma palavra (e uma linguagem) de entendimento para tentar explicar um mundo de desentendimento.

Titãs

Toda pessoa passa por uma influência para formar seu gosto musical, uma espécie de chama para que ela busque conhecer sobre um estilo ou uma banda. Essa influência pode ser da família, dos amigos ou da mídia. A última parece ser a de maior expressão na atualidade, uma geração que cresceu com o advento de canais como a Mtv, que enfatiza bastante o visual dos artistas. Por sorte, esse que vos escreve teve influência dos pais, o que fez com que as primeiras bandas com que se importou fossem bandas brasileiras da década de 80 que seu pai escutava. O chamado “quarteto do rock brasileiro” mudou os rumos da música nessa época, esse grupo é formado por: Paralamas do Sucesso, Legião Urbana, Barão Vermelho e Titãs. Infelizmente, desde a década de 90, poucas bandas de rock conseguiram ser expressivas como essas (apenas no ramo popular,  existem muitas no cenário independente). O Titãs talvez seja a mais distinta dessas bandas, fazendo um som muito maluco (no melhor sentido da palavra), cheio de letras críticas e inteligentes, além de boas melodias. A banda fez diversos fãs, muitos são amantes da era punk da banda, com álbuns como o clássico Cabeça Dinossauro  ou outros ótimos como Titanomaquia e Õ Blesq Blom. Entretanto, a banda não vinha agradando os fãs mais antigos há muito tempo, há uns 20 anos que a banda entrou em uma sonoridade mais pop, cheia de músicas românticas feitas para novelas. Eis que Nheengatu surgiu como uma surpresa, o novo álbum marca uma volta às origens, um de seus melhores álbuns desde a década de 90.

O Titãs, que já contou com oito membros, hoje possui apenas metade de seus membros originais, sendo Charles Gavin o último a sair (esse é o primeiro álbum da banda sem o baterista).  Entretanto, isso foi o suficiente para fazer um álbum tão bom quanto os antigos, Nheengatu possui uma sonoridade que mistura o punk com o pop rock na medida certa, se aproximando do som presente em Cabeça Dinossauro, considerado um dos melhores do rock nacional. O novo álbum – que agora conta com Mario Fabre ocupando a vaga de baterista de Charles Gavin –  não poupa xingamentos, fala dos principais problemas da sociedade atual e debate temas polêmicos como pedofilia e diferentes preconceitos.

O disco abre com o punk em Fardado, uma espécie de continuação da popular música Polícia: “Você também é explorado/ Fardado”. Logo em seguida, temos duas canções satirizando a sociedade, ambas com melodias bem pop rock: Mensageiro da Desgraça e República dos Bananas. A faixa Fala, Renata é a mais descompromissada, não tem objetivos como as outras do álbum, serve como uma espécie de recreio punk que abre portas para Mario Fabre mostrar toda a sua competência na bateria. Cadáver Sobre Cadáver possui uma ótima letra, resultado da parceria do ex-Titã Arnaldo Antunes com Paulo Miklos, enquanto Branco Mello tem os vocais todos voltados para si na simplória, mas eficiente Canalha. Pedofilia merece destaque pela ousadia da banda e pela ótima letra, que caiu como uma luva na voz de Sergio Britto e backing vocal de Paulo Miklos: “Ele disse: ‘Eu tenho um brinquedo/ vem aqui, vou mostrar pra você’ (…)”.

Chegada Ao Brasil (Terra À Vista) volta à descoberta do Brasil em uma mistura excelente de pop com punk. Eu Me Sinto Bem parece simples a primeira vista, mas carrega uma sensacional crítica às pessoas que se conformam com seus problemas e não questionam suas vidas. O disco não possui uma faixa mais acústica ou romântica, mas tem um grande destaque chamado Flores Pra Ela. A faixa possui uma batida introdutória que lembra o samba, possui o melhor desempenho de Tony Bellotto na guitarra, além de tratar da história de um homem que se diz amar a mulher, mas a trata como um ser pertencente a ele, uma triste realidade de muitas pessoas. Não Pode fala do excesso de leis, enquanto Senhor faz uma crítica religiosa que lembra a polêmica faixa Igreja do álbum Cabeça Dinossauro. Baião de Dois é a que possui a letra de maior complexidade, escrita por Paulo Miklos, a faixa começa citando canções de grandes sambistas: “O Mundo é um moinho” (Cartola) e “A vida é um buraco” (Pixinguinha). O álbum encerra com a sensacional crítica de Quem São Os Animais?, digna de um ótimo arranjo inserido em uma letra que fala dos inúmeros problemas de preconceito que vemos na atualidade (“‘Você tem que respeitar o direito de escolher livremente’ (…) Te chamam de macaco – quem são os animais?”).

O Titãs parece voltar a suas origens na hora certa, em um cenário atual da sociedade que passa por inúmeros problemas. A banda que muitos acreditavam já ter terminado após a saída de metade dos membros e lançar álbuns bem regulares, provou que ainda sabe fazer música de qualidade. Um álbum como Nheengatu não é algo que se escuta todo dia, uma crítica da atualidade que, infelizmente, tudo indica que vai ser atual durante um longo tempo.

Nheengatu
Artista: Titãs
País: Brasil
Gravadora: Som Livre
Lançamento: 12 de maio de 2014
Estilo: Punk Rock, Rock Alternativo

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