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Crítica | Night Sky (Anos-Luz) – 1ª Temporada

Valorizando o cotidiano duradouro.

por Ritter Fan
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Uma das minorias menos lembradas em Hollywood é a dos atores idosos, já que os grandes estúdios sempre costumaram determinar o fim da vida artística de atores e atrizes com base em sua idade, com papeis cada vez mais raros e cada vez mais diminutos em obras cada vez menos importantes. Há uma lógica perversa por trás desse esquecimento, claro, e ela passa por questões econômicas que tocam também os espectadores, normalmente menos interessados em ver seus astros envelhecidos nas telonas. No entanto, ainda bem, de vários anos para cá e muito em razão do boom do streaming, abriu-se espaço para o retorno de atores que há muito não ganhavam seu lugar no palco que não fossem em papéis menores e estereotipados aqui e ali, com séries como Grace and Frankie e O Método Kominsky como exemplos bem-sucedidos, ainda que a ficção científica protagonizada por atores da terceira idade continue incomum.

Night Sky ou Anos-Luz, como discretamente o Amazon Prime Video verteu para o português com base em seu título original, Lightyears, chega para tentar mudar esse cenário, colocando ninguém menos do que Sissy Spacek contracenando com J. K. Simmons como um casal idoso que vive sozinho em um casa nos arredores de uma cidadezinha americana e que guardam um segredo há 20 anos: enterrada em seu jardim, há uma câmara secreta que os teletransporta para um planeta distante. A rotina do casal é então profundamente alterada quando, em um dia particularmente importante e decisivo para  Irene York (Spacek), ela se depara com o misterioso jovem Jude (Chai Hansen) na câmara, levando-o para viver em sua casa, o que começa a criar atritos com seu marido Franklin (Simmons), desconfiado por natureza.

Tendo visto a primeira temporada do faroeste sci-fi Outer Range recentemente, que é ainda por cima do mesmo serviço de streaming, fica difícil deixar de traçar paralelos entre as histórias, já que, assim como na obra estrelada por Josh Brolin, o lado da narrativa mundana da família consegue ser bem mais interessante do que o lado da ficção científica, um tanto mais pedestre com seus portais misteriosos e suas sociedades/cultos estranhos e uma lenta convergência narrativa entre esses dois lados. No entanto, Night Sky sabe lidar melhor com suas histórias e, mais importante do que isso, os showrunners Holden Miller e Daniel C. Connolly focam no tesouro que têm em mãos, que, obviamente, é a magnética presença de Spacek e Simmons vivendo um casal que, mesmo tendo sofrido uma perda terrível logo antes de descobrirem o portal, continuam juntos e se amando até hoje.

Não sei se preciso discorrer muito sobre o casal protagonista, pois os atores sequer parecem que estão atuando, mas sim simplesmente vivendo de verdade sua vida cotidiana e semi-rural da mesma forma há décadas. É um encanto ver Spacek encarnar uma ex-professora não muito tempo depois de um acidente que tornou difícil sua locomoção que ganha uma fagulha de vida ao praticamente adotar Jude, que, por seu turno, procura por seu pai Gabriel. É impressionante ver a atriz transformar-se, diante de nossos olhos, de uma senhorinha debilitada que precisa de ajuda para subir as escadas, em uma mulher ativa, de bochechas rosadas, pronta para qualquer coisa no intervalo de apenas alguns episódios, tudo em razão do que Jude passa a representar para Irene. Por seu turno, Simmons está sensacional como sempre, como um marido devoto e absolutamente apaixonado por sua esposa, em uma relação simbiótica que é capaz de encher os olhos de lágrimas de felicidade.

Na medida em que a história progride, aprendemos mais sobre Michael (Angus O’Brian), o filho dos dois, Denise (Kiah McKirnan), a neta deles que estuda Direito em Chicago e enfrenta seus próprios fantasmas e, claro, sobre o vizinho abelhudo Byron (Adam Bartley) que alimentam e retroalimentam os relacionamentos que vemos serem desdobrados nos rápidos oito episódios com enorme naturalidade e sempre com uma mistura terna de melancolia e felicidade, além de uma abordagem sóbria – por vezes alarmante, confesso – da depressão e outros distúrbios dessa natureza. Todo o drama familiar, inicialmente mantido razoavelmente atrás de uma camada de neblina justamente para poder ser trabalhado a conta-gotas – sem que a temporada fique lenta, vale frisar – tem excelentes encaixes, com os roteiros progressivamente trazendo informações que, então, justificam e contextualizam decisões anteriores dos personagens.

Mas e o lado da ficção científica, como fica? Bem, para começar, muito sinceramente, essa série deveria ter sido uma minissérie, pois ela tinha tudo para acabar aqui mesmo, talvez com alguns episódios mais estendidos ou a adição de mais uns dois para terminar de dar o laço necessário. Digo isso não negativamente, vejam bem, mas sim porque a história de amor entre Irene e Franklin é tão bonita que a aceleração do lado sci-fi e de ação nos dois últimos episódios – existe todo um lado, inclusive com outro elenco, que sequer mencionei aqui, mas que é interessante, ainda que nem chegue aos pés do casal idoso – não faz jus a eles e poderia ter ganhado um fim definitivo, sem necessidade de protrair a história no tempo.

Dito isso, essa trama de portais e sociedades secretas, apesar de batida, não é desinteressante. Certamente não é o que me atraiu para a série e nem o que me prendeu a ela, mas vi-me mais interessado nesse lado da história do que no mesmo lado de Outer Ranger, por exemplo, pelo que isso é, sem dúvida, algo positivo, até porque, como já mencionei, os showrunners fizeram tudo de maneira a manter toda a ficção científica como um pano de fundo razoavelmente distante do coração veterano da história, tomando todo o cuidado do mundo para que Spacek e Simmons não só tivessem todo o tempo possível de tela, como também sempre com grande destaque, jamais sendo ofuscados pelo restante da narrativa e demais personagens.

Night Sky é uma bela e emocionante história de amor duradouro que pode e deve ser vista por espectadores de todas as idades, especialmente os mais novos, pois há uma aposta rara não só em atores veteranos, como também na vida prosaica e cotidiana de apenas duas pessoas que se amam debaixo de um mesmo teto. Há muita beleza nessa simplicidade e, mais ainda, diria sem medo de errar, que quem consegue alcançar o tipo de conexão que Irene e Franklin demonstram ter apesar de todos os terríveis pesares, e isso não é fácil, não precisam de absolutamente mais nada na vida, nem mesmo um portal que lhes permita observar as estrelas a partir de um planeta estranho, já que o que realmente importa é com quem se observa o céu noturno.

Anos-Luz – 1ª Temporada (Night Sky – EUA, 20 de maio de 2022)
Criação: Holden Miller, Daniel C. Connolly
Direção: Juan José Campanella, Philip Martin, Robert Pulcini, Shari Springer Berman, Sara Colangelo, Jessica Lowrey, Victoria Mahoney
Roteiro: Holden Miller, Daniel C. Connolly, Allison Moore, Anne-Marie Hess, Ezra Claytan Daniels
Elenco: Sissy Spacek, J. K. Simmons, Chai Hansen, Adam Bartley, Julieta Zylberberg, Rocío Hernández, Piotr Adamczyk, Kiah McKirnan, Beth Lacke, Sonya Walger, Stephen Louis Grush, Angus O’Brian, Cass Buggé
Duração: XX min. (oito episódios)

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