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Crítica | Nikita – Criada para Matar

por Guilherme Coral
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estrelas 5,0

Com fortes repercussões tanto na França quanto no exterior, Nikita – Criada para Matar deu origem  a duas séries de televisão, uma de 1997 (La Femme Nikita, utilizando o título americano da obra original) e uma mais recente, de 2010 (Nikita), além de uma refilmagem americana de 1993, A Assassina, com Bridget Fonda. Neste seu longa-metragem, Luc Besson mais uma vez adentra nos princípios do Cinema du Look, mergulhando de cabeça na marginalização de seus personagens e criando um filme que remete à solidão tanto quanto Imensidão Azul. Ao contrário deste outro, porém, o diretor traz uma retratação crua da violência e como ela pode moldar a vida de uma pessoa.

Uma gangue de jovens delinquentes invadindo uma loja, no meio da noite, inicia a projeção. O aparente assalto logo escala para uma troca de tiros entre os punks marginais e o dono da loja. Imediatamente a polícia chega ao local e a única sobrevivente do grupo invasor é uma garota, Nikita que, no fim, atira em um policial a queima-roupa. A jovem é levada para tomar a injeção letal e é dada como morta, ao invés disso contudo, recebe um destino completamente diferente. Em uma instalação misteriosa, Nikita (Anne Paurilland) é treinada, sem direito a liberdade, para se tornar uma agente do governo, devendo cumprir as missões dela requisitadas.

O roteiro de Besson garante um fluido ritmo à obra, conseguindo nos contar, sem pecar em uma demasiada lentidão ou rapidez, a trajetória da garota. Seguindo o exemplo de seus personagens de produções passadas, o diretor nos traz uma protagonista que expira à excentricidade, com uma personalidade que beira à bipolaridade, tornando esta uma narrativa completamente imprevisível. Embora este seja um filme que pode ser classificado como de espionagem, seu foco está inteiramente na espiã e não em suas operações.

Isso se torna claro pela forma como é retratado cada estágio dessa nova vida da personagem. Primeiro, o treinamento, admite uma notável dinâmica, garantida pela montagem de Olivier Mauffroy, que sabe exatamente quando inserir suas elipses temporais. Nikita não peca pelo exagero caindo em repetitivas sequências que ilustram a modificação da protagonista, ao invés disso, situações pontuais nos passam não só a nítida sensação de passagem de tempo, como de evolução da garota. Ela não só passa a admitir uma personalidade mais sociável, como tem sua própria aparência alterada, passando da criatura selvagem que vemos nos minutos iniciais para uma femme fatale, que o título americano sugere.

A maior parte da projeção, contudo, tem seu foco na vida já com uma falsa liberdade da personagem. Já noiva de Marco (Jean-Hugues Anglade), quem conhece em um mercado local, a jovem é ocasionalmente chamada em missões através de seu codinome, Josephine. Besson explora toda a relutância de sua protagonista a cada tarefa que é requisitada, mostrando a fragilidade de sua psique, nos remetendo à já citada solidão. Apesar de contar com um relacionamento, Nikita não pode compartilhar essa parte de sua vida, sentindo-se, claramente, como uma peça estranha a todo aquele cenário, seja na França ou na Itália. Deixando claro tal aspecto está a evidente ausência de personagens externos à sua vida dupla, que criam um clima de alienação à tudo que está a volta – de um jeito ou de outro ela continua à margem da sociedade.

Corroborando esse enfoque, Thierry Arbogast, mais uma vez ao lado de Besson, utiliza diversos planos fechados na personagem. Mostrando o corpo inteiro ou somente o rosto, se torna claro que esta é uma obra sobre ela, sobre sua posição neste mundo que parece desprezar sua existência, tirando dela o controle sobre a própria vida. Essa falta de domínio se torna ainda mais evidente nas sequências de ação, bem dirigidas e fotografadas, que procuram gerar uma clara sensação de caos, como se ninguém dentro de cena realmente pudesse prever o resultado da sequência. Perante essa precisa ilustração, a tensão no espectador é uma constante, especialmente quando este se torna mais simpático à personagem principal.

Ao encerrarmos a projeção não podemos deixar de sentir uma distinta falta de Nikita, de tê-la a nossa frente, provando, de uma vez por todas, que a criação de Luc Besson passou a fazer parte de nós – explicando, imediatamente, o surgimento das duas séries de televisão. Através deste seu longa-metragem, que exala a solidão e um forte toque de depressão, o diretor consegue submergir sua audiência em uma crua retratação da realidade, que claramente contém a marca do cineasta. Nikita – Criada para Matar é um filme impactante, do qual dificilmente sairemos da mesma forma que entramos.

Nikita – Criada para Matar (Nikita – França/ Itália, 1990)
Direção:
Luc Besson
Roteiro:
Luc Besson
Elenco:
Anne Parillaud, Marc Duret, Patrick Fontana, Alain Lathière, Tchéky Karyo, Jeanne Moreau, Jean-Hugues Anglade, Jean Reno
Duração:
118 min.

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