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Crítica | Ninguém Pode Saber – 1ª Temporada

Um mistério que nem sombra faz.

por Felipe Oliveira
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Já faz algum tempo em que se pode notar uma curiosa parceria entre a Netflix e a atriz Toni Collette. De filmes a produções televisivas, as investidas têm se mostrado acertadas nas escolhas, e o mais recente fruto dessas contribuições vem mais uma vez em formato de série, adaptando o livro de Karin Slaughter, Ninguém Pode Saber. Transitando pelos gêneros de drama e thriller psicológico, o show soa familiar e convencional em muitos momentos ao trazer uma trama que também flerta com o gênero policial. Então, o que vemos, é uma atração que utiliza da incógnita ao redor de Laura (Collette) como mola propulsora de sua abordagem,  no entanto, por mais que essa história tenha um mistério a sustentar, se ofusca no seu exercício oco em querer ser complexa e densa.

Por contar com Collette no principal nome encabeçando a produção, espanta como sua carga e entrega para a personagem são incapazes de tirar a adaptação do espectro enfadonho e superficial que segue a narrativa de 8 episódios. Compondo a dramaturgia, linhas do tempo entre passado e presente se entrelaçam na trama que se passa numa tranquila cidade da Geórgia. Até que, um chocante ato de violência transforma a visão que Andy (Bella Heathcote) tinha sobre si e sua mãe, Laura, num espiral conturbado para entender a família a que pertence.

Tendo alguns papéis interessantes na filmografia, é evidente como aqui, em Ninguém Pode Saber, Heathcote surge com uma performance afetada, e essa característica fica ainda mais forte na maneira em que o roteiro trata Andy dentro da história. Uma mulher completando 30 anos, e sendo arrastada para um drama familiar que desconhecia; para envolvê-la nesse choque, o texto conduz uma protagonista que saiu de alguma série adolescente, pois, esta seria a única justificativa plausível diante de escolhas estúpidas e falta de personalidade para alguém que está descobrindo todos os motivos para andar hesitante em cada passo. É um aspecto que enfraquece bastante a forma que premissa quer ser encarada, de igual modo, a seriedade em torno do suspense que cai em facilidades narrativas e pontos sem noção na tentativa de alcançar algumas notas de tensão. Exemplos disso, é a cena do porta-malas, ou da sequência de visita a uma detenta: são saídas triviais que parecem não atingir relevância no desdobramento, senão, situações ridiculamente específicas que mais acrescentam para a péssima construção de personagem.

Dessa forma, o que se apresentou como elemento chave para desencadeamento dos eventos seguintes, neste caso, um ato de violência pública, logo se embaraça no desenvolvimento quando qualquer conveniência banal vai sendo posta como mecanismo que intensifique o suspense. Mas vejamos, até o término do episódio piloto, um bom exemplar dos problemas da série, é notória as tentativas pífias de criar curiosidade para o que está sendo contado, com os esforços se resultando em completas enrolações sugestivas. 

Se por um lado o fio condutor desse mistério é uma protagonista fraca, seria injusto pontuar o desempenho de Heathcote como o maior elemento que não sobressai, já que tudo que Pieces of Her consegue exibir é um ensaio plástico de um mistério genérico. E não, Collette não é de longe a melhor coisa que se prova intacta na produção. Estamos diante de um roteiro engessado e óbvio, e o comando de Minkie Spiro não vai além dessa camada envernizada de drama e suspense para extrair algo crível; a sensação é que nem o elenco se convenceu a se comprometer com a história, visto a inexpressividade e palidez com as quais retratam seus papéis. Em suma, se parecem manequins posicionados na ilustração enferrujada dessa proposta.

O ponto de virada da premissa, que inicia o que deveria ser o convite a um quebra-cabeça, é o caótico ocorrido numa lanchonete que chama atenção nacional. O momento, obviamente, envolvia mãe e filha no cenário junto a várias pessoas e é como se naquele instante, a tomada de violência expusesse a versão escondida que Laura tanto se esforçava para manter, vulnerável. Também é a partir daí que surge a conjectura por trás do título original Pieces of Her, porque, à medida que Andy investiga sua história, encontra pedaços que não sabe exatamente o que significa sobre a própria mãe. E a cinematografia de Ole Bratt Birkeland é instigante nessa composição ao utilizar de espelhos para retratar essa fragmentação criada na relação fraternal.

Para Andy, a fotografia aproveita um plano sutil dentro de um carro para ilustrar o quanto a jovem mulher está dividida com as informações; traçando o enquadramento através do retrovisor do veículo, visualizamos Andy com a cabeça recostada no banco enquanto o cinto de segurança faz uma divisão ao meio no quadro exposto no item espelhado do carro. Já com Laura, essa construção foca em planos mais abertos utilizando de inúmeras peças de vidros, sejam de janelas, portas, para imprimir a ideia das nuances e dúvidas cada vez mais inevitáveis da personagem. Sempre que está se locomovendo em um cômodo ou realizando pequenos gestos, há um cuidado com um enquadramento apontando essa concepção como um tempero para incerteza promovida por Laura.

Porém, essa construção técnica se torna apenas detalhe em comparação a todos problemas que fazem de Pieces of Her meramente superficial. Por trás dessa idealização que contrapõe os personagens em seus muitos segredos, sua síntese se concentra num relato raso sobre relacionamentos tóxicos, que também é de onde parte o envoltório de mistério, contudo, quer seja a linha atual ou de flashback, há uma ausência constante de cadência que ainda tenta sobreviver a concepção morta dessa adaptação. 

Se olhar para onde essa história se inicia e como termina, não traz um sentimento de evolução e satisfação do que foi acompanhado, e sim, de um caminho estranho com uma vaga lembrança de quando conseguiu mover emoção, atiçar curiosidade antes de ser incrivelmente chata e desesperada por twists.

Ninguém Pode Saber – 1ª Temporada (Pieces of Her – 2022, EUA)
Criação: Charlotte Stoudt
Roteiro: Charlotte Stoudt, Anna Fishko, Sharon Hoffman, Dan LeFranc, Jerome Hairston, Michelle Denise Jackson
Direção: Minkie Spiro
Elenco: Toni Collette, Bella Heathcote, Jessica Barden, Joe Dempsie, Omari Hardwick, Gil Birmingham, Jacob Spicio, Terry O’Quinn, David Wenham
Duração: 8 episódios (45 a 60 min, cada)

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