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Crítica | No Coração do Mar, de Nathaniel Philbrick

Um relato cheio de detalhes sobre o naufrágio do navio Essex, inspiração para o clássico Moby Dick, de Herman Melville.

por Leonardo Campos
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Um livro muito conhecido por ser a descrição dos acontecimentos que inspiraram Moby Dick, o poético, complexo e filosófico clássico literário, de Herman Melville. Sim, a publicação de Nathaniel Philbrick é tudo isso, mas também vai muito além, tendo o seu valor próprio, sem funcionar apenas como um conteúdo complementar para o entendimento da saga de vingança e tragédia do Capitão Ahab e da baleia cachalote que nomeia o romance narrado pelo icônico Ishmael. No Coração do Mar é um daqueles primorosos trabalhos de historiadores competentes. Ele mescla fontes, imagens, relatos dentre outros, tudo devidamente explicado, numa busca por compreensão de um acontecimento grandioso em 1820: o naufrágio do navio Essex. Após ser atingido por uma baleia de enormes proporções, os tripulantes que sobreviveram após o impacto na embarcação navegaram por mares sul-americanos por bastante tempo. Morte, dor, sofrimento e outros sentimentos profundos marcaram para sempre a memória de quem ficou vivo para contar a história.

O planejamento era de três anos. Permanecer no mar, caçar o máximo de baleias e extrair o óleo que aquecia a economia baleeira de Nantucket, em Massachussetts, nos Estados Unidos. Um ano depois, o inesperado: uma baleia cachalote acertou a embarcação. Atormentados pelo ataque do cetáceo, animal que geralmente não atacava navios, os presentes começaram a se mobilizar para garantir a sobrevivência. O Essex naufragava aos poucos e todo alimento possível foi levado para que esperassem por uma ajuda que demorou bastante para chegar. O resultado: os três botes de quase oito metros encapsularam os vinte homens. Deste total, apenas cinco conseguiram voltar para casa. Neste navio tomado por regras de distinção social, os superiores (homens brancos e de maior poder aquisitivo) tinham prioridade e os menos privilegiados (homens negros) morriam mais rápido, já exaustos e desnutridos por conta da viagem.

A quantidade de comida disponível no navio já era considerada escassa, pois os donos da embarcação não quiseram investir tanto neste segmento, situação que ajudou a piorar a condição daqueles que, mesmo diante da divisão justa dos alimentos nos botes, vinham de uma saga de escassez e privação. Charles Shorter e Lawson Thomas, por exemplo, os dois primeiros a morrer nesta odisseia, eram homens negros. Daí o ponto de partida para debates sobre questões raciais, presentes no romance que se inspirou nesta história para tecer a sua complexa estrutura: Moby Dick, de Herman Melville. Transformado em filme na tradução intersemiótica dirigida por Ron Howard, com título homônimo, No Coração do Mar resgata para o contemporâneo um relato que até hoje impacta o leitor, em especial, pela qualidade adotada na escrita de Philbrick.

Aqui, temos como embasamento dois pontos de vista: o relato do grumete Thomas Nickerson, jovem que adentrou no Essex como ajudante de navio, sobrevivente responsável pelo relato próximo à sua velhice, e os dados colhidos de Owen Chase, o imediato da embarcação. Com estes dois pontos de partida e muita pesquisa complementar, Nathaniel Philbrick entrega aos leitores um manancial de conteúdo não apenas sobre a trágica situação de naufrágio, canibalismo, inanição e morte destes marinheiros à deriva em 1820, resgatados apenas em 1821, aterrorizados e traumatizados diante da luta hercúlea pela sobrevivência. Há também informações sobre o comportamento das baleias, detalhes sobre os mecanismos que engendravam a economia baleeira e até mesmo informações sobre técnicas de navegação.

O desenvolvimento da obra é um deleite para os apaixonados por história, relatos, descrições que não atrapalham a fluência, bem como um tom aventureiro mesclado com os mistérios que envolvem o mar, haja vista a frequente abordagem daquilo que alguns chamam de folclore marítimo, com as superstições que propiciam embasamento para a nossa imaginação viajar e dialogar com elementos presentes nas narrativas de horror. Em suas 392 páginas, No Coração do Mar é um livro que não cansa, ao contrário, deixa um leve gosto de quero mais para o leitor que embarca nesta publicação traduzida por Rubens Figueiredo para a edição analisada, da Companhia das Letras. Dinâmico e bem escrito, este é um material que funciona como entretenimento e, ao mesmo tempo, potencializa os nossos conhecimentos gerais, além de funcionar como reflexão para ampliarmos a nossa visão sobre o quão podemos ser fortes em situações tão limitantes no que tange ao processo de busca pela sobrevivência

No Coração do Mar (In The Heart of The Sea/Estados Unidos, 2000)
Autor: Nathaniel Philbrick
Tradução: Rubens Figueiredo
Editora no Brasil: Companhia das Letras
Páginas: 392

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