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Crítica | No Meio do Caminho, de Carlos Drummond de Andrade

O poema que é cartão-postal da obra de Drummond.

por Leonardo Campos
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Conhecido por sua simplicidade estrutural e pelas leituras diversas que ganhou ao longo do século XX, ainda comentado nos dias atuais, No Meio do Caminho é uma das obras-primas do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade. É uma de suas produções mais polêmicas, alvo de debates e críticas sobre as suas plurais interpretações. Inserido no capítulo “Tentativa de exploração e interpretação do estar no mundo”, da Antologia Poética organizada pelo próprio autor, reajustada pelo cuidadoso trabalho da Editora Record, o poema em questão é uma manifestação literária sem rima, sem musicalidade, tampouco métrica, publicado em 1928 na Revista de Antropofagia, numa época conhecida por ser uma das primeiras fases do Modernismo Brasileiro. Em linhas gerais, é uma composição sobre os obstáculos que as pessoas encontram ao longo de suas existências, isto é, as pedras que interrompem os nossos fluxos cotidianos. Pode ser uma ação interrompida por falta de coragem, talvez a dor do luto diante de uma perda complicada de lidar. Numerosas são as possibilidades de interpretação, não é mesmo?

Publicado há quase cem anos, No Meio do Caminho é uma dos cartões-postais da obra drummondiana. É a comprovação de sua capacidade de ser, constantemente, contemporâneo, afinal, reflexões sobre desafios e encontrados em nossas trajetórias estão espalhadas como rizomas em outros poemas, contos, crônicas, filmes, séries, músicas, dentre outras manifestações artísticas. Com seu discurso despojado, humorado e de fácil acesso aos múltiplos tipos de leitores encontrados ao longo de sua longeva trajetória no campo da literatura brasileira, o poema de dez versos e duas estrofes brincou com a forma e se opôs ao processo de construção estruturado pela complexidade, como realizado, por exemplo, em Olavo Bilac, no sofisticado soneto Nel Mezzo del Camin…, composição que salvaguardadas as devidas proporções, versa sobre as mesmas questão, mas associado ao estilo parnasiano.

Seria o poema de Drummond, então, uma reação ao que se fazia no Parnasianismo? Pode ser que sim, ou talvez, quem interpretou assim tenha exagerado. Observado dentro de seu contexto, podemos dizer que o mineiro tenha criado No Meio do Caminho por meio da simplicidade, sem aderir aos excessos estilísticos do que se produziu por alguém tempo pelos parnasianos. Interessante observar que Drummond e Bilac fazem ressoar uma passagem do primeiro canto da Divina Comédia, do italiano Dante Alighieri, cada um, por sua vez, a refletir os obstáculos e as celeumas de suas respectivas trajetórias por meio de estilos e perspectivas diferentes. Bastante criticado na época, o modernista não teve a mesma recepção do colega de campo. Considerado bobagem e até mesmo uma afronta ao que se concebia por literatura, o poema sofreu represálias de alguns críticos e leitores, mas ao atravessar o tempo, tornou-se uma referência.

Citado em novelas, filmes, músicas, atualmente, nas redes sociais e artigos jornalísticos que utilizam a sua base para traçar relações com conflitos contemporâneos, No Meio do Caminho traz em sua estrutura uma palavra entrave: a pedra. Entre um verso e outro, ela se coloca como barreira. Seria uma alegoria para as resistências, defesas e forças inconscientes que nos dominam diante dos caminhos trilhados diariamente? Se levarmos para uma leitura psicanalítica, esta é uma assertiva possibilidade. Pedra também pode ser a hipértese de perda, conforme o olhar de um dos biógrafos de Drummond, ao afirmar que o poema pode ser uma produção que o ajudou a expurgar a perda de um de seus filhos, morto logo após o nascimento. Se sentarmos com um grupo de amigos que tenha o mínimo de conhecimento literário e a mente aberta para filosofar sobre as coisas da vida, o poema em questão pode gerar uma série de reflexões, novas interpretações e associações. É um daqueles marcos que atravessam épocas distintas e não perdem o vigor, reinterpretado dentro de possíveis novos contextos, sempre em transformação.

No Meio do Caminho  (Brasil, 1928)
Autor: Carlos Drummond de Andrade
Editora: Editora Record
Páginas: 1

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