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Crítica | No Mundo de 2020 (Soylent Green)

Heston em sua quinta distopia quase seguida.

por Ritter Fan
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Em um período de apenas cinco anos, entre 1968 e 1973, Charlton Heston estrelou nada menos do que cinco produções baseadas em romances sci-fi, passadas em um futuro distópico e com revelações chocantes em seu final. O Planeta dos Macacos e De Volta ao Planeta dos Macacos começaram essa tendência, que foi seguida por A Última Esperança da Terra, chegando em No Mundo de 2020, título nacional sem sentido – porque o filme se passa especificamente em 2022 – de Soylent Green, dirigido por Richard Fleischer e co-estrelado pelo grande Edward G. Robinson, que dividira a tela com Heston em Os Dez Mandamentos, em seu último papel, já que ele viria a falecer apenas 12 dias após o encerramento das filmagens.

Nesse futuro (presente) de 2022, a Humanidade acabou com os recursos naturais do planeta em razão da superpopulação e mandos e desmandos de governos e corporações. A base de alimentos de todos vem da Soylent Corporation, que fabrica basicamente biscoitos proteicos coloridos, com o mais recente deles sendo o cobiçado verde, ou Soylent Green. Apesar da visão pós-apocalíptica global, o longa restringe-se à uma Nova York com nada menos do que 40 milhões de habitantes, com grande parte da população dormindo pelo chão em escadarias e igrejas e passando horas dos quentíssimos dias em filas para ganhar a ração diária de Soylent e água. É nesse cenário que somos apresentados ao Detetive Frank Thorn (Heston) e ao seu amigo mais velho – e que portanto se lembra do mundo ainda verde de verdade – Sol Roth (Robinson) que, juntos, investigam casos policiais e que se envolvem no assassinato de um membro da elite privilegiada que vive em apartamentos de luxo, com espaço, água e comida.

O roteiro Stanley R. Greenberg (em apenas seu segundo trabalho para o cinema, com o primeiro, Vôo 502: Em Perigo, também tendo sido um sucesso estrelado por Heston) segue, fundamentalmente, a estrutura de um longa procedimental policial padrão, com Thorn ativamente investigando a morte – e, no processo, furtando bens de luxo e aproximando-se da bela Shirl (Leigh Taylor-Young), uma “mobília”, basicamente uma escrava sexual que vem junto do apartamento, do falecido – enquanto Sol, que fora professor, pesquisa nos bastidores, com a ajuda de uma valiosa biblioteca que também faz as vezes de tribunal. Apesar de o espectador saber que há uma trama de assassinato por trás, já que a ação preambular lida com esses preparativos, o roteiro inteligentemente consegue embaçar nossa visão até quando a grande revelação vem, nos minutos finais de projeção. Para fazer isso, a direção de Richard Fleischer trata de usar a até econômica minutagem para nos apresentar aos detalhes desse mundo poluído, sem animais, vegetais e água potável, usando Thorn como nosso “desbravador”, com Heston valorizando absurdamente cada objeto que consideramos como trivial, de comida a sabonete, passando por água saindo da torneira e um colher de geleia de morango.

Esse artifício de “deslumbramento” talvez seja usado um pouco mais do que deveria, mas ele funciona bem para trabalhar a crítica social e ambiental do filme e para construir a hierarquia necessária que, claro, reflete a do mundo de 2022 verdadeiro mesmo. Há muito uso de cenários construídos para replicar uma Nova York imunda e lotada de gente por todo canto durante o dia e deserta à noite em razão do toque de recolher, com sequências singelas com a câmera seguindo o protagonista para criar tensão. Toda a trama pesada que é objeto da investigação de Thorn, porém, fica fora do enquadramento das lentes de Fleischer, que foca no micro para abordar o macro basicamente na única verdadeira sequência de ação, em que o detetive segue os caminhões de lixo que levam os corpos humanos para fora da cidade, em uma metáfora potente, mas longe de ser sutil e nas linhas finais de diálogo famosamente berradas por um Heston que é quase constantemente uma caricatura humana, como acontece na grande maioria de seus papeis.

Inegavelmente, Soylent Green é um filme que vive para seu final. Há até, diria, uma falta de organicidade para que Thorn descubra o que descobre, com pelo menos um artifício maroto para evitar que nós, espectadores, ouçamos o que Sol tem a dizer em determinado momento. Parece forçado e é, na verdade, com o final sendo basicamente o próprio filme, que se define pela descoberta e pelo seu encerramento em freeze frame sombrio que basicamente nos diz que, se alguma coisa mudará, será para pior. Pode ser que o 2022 a que finalmente chegamos não seja exatamente o que foi previsto aqui, mas tudo o que o filme aborda – com seus exageros, inclusive – continua perfeitamente aplicável e, de certa forma, até “domado” em comparação com a dura realidade cotidiana macro mundial. Será que um dia provaremos o soylent green?

No Mundo de 2020 (Soylent Green – EUA, 1973)
Direção: Richard Fleischer
Roteiro: Stanley R. Greenberg (baseado em romance de Harry Harrison)
Elenco: Charlton Heston, Leigh Taylor-Young, Chuck Connors, Joseph Cotten, Brock Peters, Paula Kelly, Edward G. Robinson, Stephen Young, Mike Henry, Lincoln Kilpatrick, Roy Jenson, Leonard Stone, Whit Bissell, Celia Lovsky, Dick Van Patten
Duração: 97 min.

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