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Crítica | No País das Amazonas (1922)

Um dos longas mais antigos do Brasil ao qual temos acesso na íntegra.

por Luiz Santiago
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Filmado com o patrocínio de J.G. Araújo, que queria aliar à sua empresa um feito culturalmente importante a ser apresentado na Exposição Internacional do Centenário da Independência (1922), No País das Amazonas (ou, na grafia original, No Paiz das Amazonas) é um dos longa-metragens mais antigos do cinema brasileiro ao qual temos acesso na íntegra. Com uma abordagem desenvolvimentista e exaltadora da pátria, mas sempre destacando o seu recorte geográfico nortista, o projeto é assinado pelo filho do produtor, Agesilau de Araújo (que parece ter cuidado apenas dos intertítulos) e pelo português Silvino Santos, que encontrou na Região Norte do Brasil a sua morada e o seu espaço de trabalho dos sonhos. Silvino chegou a Belém no ano de 1899, e seu trabalho como fotógrafo começou em Manaus, no ano de 1910. 

Pouco tempo depois ele começaria a trabalhar no cinema, sendo inicialmente patrocinado pelo empresário Julio César Araña (principal sócio da The Peruvian Amazon Rubber Company). Como aponta o historiador José Jonas Almeida, que em seu trabalho aborda a evolução do extrativismo vegetal na Amazônia, sobretudo com relação à castanha-do-pará; num excelente artigo de 2015 publicado na História Mundi, “Araña patrocinou a ida do fotógrafo até Paris, para que se familiarizasse com as novidades do cinema. Na capital francesa, Santos fez estágios nos estúdios Pathé e nos laboratórios dos irmãos Lumière […]. Em 1913, de volta ao Brasil, o já cineasta realizou um documentário na região do rio Putumayo, entre o Brasil e a Colômbia, que serviu como argumento para o empresário Araña em sua defesa na Inglaterra”. 

Sobre a tal “defesa”, Sávio Luís Stoco, em sua tese de doutorado intitulada O Cinema de Silvino Santos (1918 – 1922) e a representação amazônica: história, arte e sociedade (2019), nos explica o motivo: “tratou-se de uma encomenda com objetivo bastante específico de desacreditar as acusações de torturas e extermínio de indígenas por caucheiros proprietários de empresas sediadas na região do oriente peruano”. O estudioso também aponta que “não se sabe se restaram cópias integrais, mas [acredita-se] que fragmentos são remanescentes e que foram reutilizados em filmes subsequentes, tais como “Amazonas, Maior Rio do Mundo” e “No Paiz das Amazonas” […].

Indícios de que diversos fragmentos de Amazonas, Maior Rio do Mundo (1918 – 1920) também foram utilizadas em No Paiz das Amazonas, mostram o caminho de abordagem recorrente de Silvino Santos, empreendendo jornadas geográficas e dramaticamente humanas pelos rios e pelas terras do norte do Brasil e suas regiões de fronteira. Infelizmente, Maior Rio do Mundo é considerado um filme perdido. Seus negativos foram levados para Londres por Propércio Saraiva, para serem copiados e distribuídos (algo que nunca aconteceu), mas aparentemente foram vendidos a uma empresa de turismo. Não se teve mais notícias do filme e seus negativos originais simplesmente desapareceram.

O que sabemos, porém, é que Maior Rio do Mundo e No País das Amazonas guardam em comum uma abordagem que nos carrega por um território de natureza exuberante, povo trabalhador e nativos em processo de integração, sincretismo e exibição exótica. No País das Amazonas nos leva da cidade de Manaus, em suas primeiras cenas, para um reconhecimento de trabalho como o de pescadores (a pesca do peixe-boi é uma das mais intensas e tristes do filme), de seringueiros e de indivíduos que trabalham com castanhas, guaraná, fumo e pecuária. A câmera de Silvino Santos registra essas situações de maneira narrativamente simples, alternando panorâmicas, planos gerais e planos médios com alguns dramáticos planos de detalhe, mostrando o rosto de indígenas, ribeirinhos, frutos, animais e pontos específicos da cidade que, para o propósito do filme, mereciam destaque.

A fita é, para além de um notável registro histórico da flora e fauna brasileiras, uma grande expositora do trabalho humano no Norte do país, no início do século XX. Como o diretor passa por diferentes lugares em seu turismo de olhar colonizador, com forte tempero etnográfico (Manaus, Rio Madeira, Rio Purus, Ayapuá e Maués, no Amazonas; Porto Velho e Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, em Rondônia; e Rio Branco, em Roraima), o espectador tem a oportunidade de ver diferentes organizações sociais, condições de clima e tempo e visões para a terra e as águas dessa vasta região, sempre pelo viés da força humana que domina a selvagem natureza e civiliza o mundo.

O projeto é visualmente interessante e nos permite uma boa discussão sobre a consolidação e a decadência do Ciclo da Borracha. Tendo como base o que vemos nesse documentário, conseguimos perceber um pouco mais o peso que o encerramento desse ciclo econômico teve para a região. É importante dizer, porém, que esta não é uma obra que diretamente discute questões sociais, econômicas ou ambientais. Ela “apenas” registra a realidade (ou uma versão encenada desta) como uma grande curiosidade. Mas seu conteúdo é tão impressionante e tão calcado em uma ideia de integração das pessoas com seu trabalho e com a consequente transformação do mundo à sua volta, que é impossível não trazer esses pequenos trechos, por mais simples que sejam, para um debate histórico sobre as questões vistas na tela, sobre um local e um período histórico do Brasil que ainda tem muito para ser explorado e debatido. Especialmente nos dias de hoje.   

No País das Amazonas/Terra das Amazonas (No Paiz das Amazonas) – Brasil, 1922
Direção: Agesilau de Araújo, Silvino Santos
126 min.

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