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Crítica | No Ritmo da Vida (2020)

Um estudo de personagem que carece de desenvolvimento e profundidade.

por César Barzine
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Há três cenas que antecedem a abertura de No Ritmo da Vida: uma senhora idosa causa uma explosão ao acender o fogão de sua cozinha; ouvimos uma chamada telefônica entre ela e seu neto; e, por fim, vemos uma balada tocando música pop. Estes três momentos dispersos representam muito bem toda a narrativa do filme, pois tanto o prólogo quanto o longa por completo são um agrupamento de fragmentos distintos que, apesar de haver uma ligação entre eles, se mantêm isolados e sem desenvolvimento.

A sequência que sucede este prólogo se passa em uma balada de Toronto, expondo a partir de uma habilidosa montagem de alternâncias, jogos de luzes neon e diversos sons sobrepostos a melancolia que passa o protagonista Russell em meio ao embate com seu namorado. Daí para frente, No Ritmo da Vida passa a ser somente um filme monótono que parece perdido em seus enredos paralelos, como se o roteiro não soubesse aonde quer chegar e não tivesse a sua razão de ser. O protagonista é um homem gay de quase meia-idade que trabalha em performances como drag queer e acabou de terminar o seu namoro. Meio desiludido, ele vai viver com sua avó no campo; esta, uma mulher que necessita de acompanhamento, mas que resiste à ideia de ir para uma casa de repouso, como quer a sua filha – mãe do rapaz queer. E em meio a companhia da mãe e da avó, este mesmo rapaz passa a se apresentar numa boate de sua nova cidade, onde se relaciona com um funcionário do local.

Todos estes elementos do enredo são mornos, não conseguindo atingir a mínima conexão com o público. O filme parece querer ser um estudo de personagens, mas esses próprios personagens não possuem um pingo de densidade, e as ligações entre eles carecem de atrito. O máximo que vemos é o embate entre mãe e filha em torno da mudança desta primeira para uma outra moradia, uma questão que é jogada na narrativa para pouco depois ser abandonada abruptamente com nenhum tipo de desenvolvimento dentro dela. Já em relação às vivências de Russell, o protagonista acaba sendo somente mais um personagem envolvido em situações rasas e que parecem soar incompletas.

No que tange às interpretações, Linda Kash, que vive a mãe de Russell, é de longe a mais fraca do elenco. Seu desempenho transmite uma certa apatia, um tom engessado e totalmente inexpressivo. Quanto aos demais atores (a vencedora de um Oscar e falecida em 2021, Cloris Leachman e Thomas Duplessie), parece mais que eles apenas foram sabotados pela trama e a direção fraca, que, apesar de sugerirem uma dramaticidade a ser alcançada, acabam não conseguindo dar um espaço que pudesse explorar os personagens. Russell, embora tendo o trabalho em performances de drag queen, nada mais é do que um personagem bastante sem vida, que parece deslocado de seus próprios problemas, tornando-se incapaz de prender a atenção do público.

Por outro lado, esse mesmo aspecto de frieza pode indicar, de certa forma, uma qualidade do roteiro, que é a de não estereotipar o seu personagem por ser uma drag queen. Seria bastante oportuno (e previsível) retratá-lo de modo extremamente alegre e sempre chamativo, no entanto ocorre uma total recusa dessa caricatura, o que leva tanto a uma fuga do clichê quanto à inexpressividade do protagonista. O romance dele com o funcionário da boate vai por um caminho igual, como se fosse mais um elemento jogado de qualquer jeito no filme sem a menor preocupação em dar alguma substância a ele.

Não há absolutamente nada no longa que pareça ter um real conteúdo internalizado em si: o passado de Russell, a relação com a sua avó, a ligação dela com a sua filha, o trabalho artístico do protagonista como drag queen e o namoro dele com outro homem. Trata-se de uma obra sem um drama consistente ou ação, sem uma real melancolia ou alegria. Sobra insipidez e falta alguma outra coisa que o público não sabe muito bem o que é, mas tem extrema consciência de sua necessidade. Até mesmo para uma produção que trabalhe com frieza a banalidade da vida exija-se algum vigor dentro dessa mesma frieza e banalidade, No Ritmo da Vida parece propor esse vigor, mas aos olhos do espectador não há nenhuma perspectiva em alcançá-lo.

No Ritmo da Vida (Jump Darling) | Canadá, 2020
Direção: Phil Connell
Roteiro: Phil Connell, Genevieve Scott
Elenco: Cloris Leachman, Thomas Duplessie, Linda Kash, Jayne Eastwood, Daniel Jun, Rose Napoli, Andrew Bushell, Mark Caven, Katie Messina
Duração: 90 minutos

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