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Crítica | No Ritmo do Coração

por Kevin Rick
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Em No Ritmo do Coração, podemos esperar todas as convenções previsíveis de coming of ages estadunidenses, desde a jornada adolescente de autodescoberta e independência, a família relutante em aceitar os sonhos da protagonista, um romance juvenil aguado, entre outros. No entanto, a obra que acompanha a jovem Ruby (Emilia Jones), a única ouvinte em uma família surda, utiliza-se muito bem de temas batidos para oferecer algo diferente, e até revolucionário: a representação do dia-a-dia de pessoas com deficiências auditivas, assim como de filhos (as) de pais surdos, denominados de CODA (Child of Deaf Adult), como no título original.

É simplesmente notável como um ambiente diferente ou uma dinâmica incomum conseguem transformar uma narrativa superficialmente clichê, não? Ou melhor, como clichês (erroneamente vistos apenas como elementos negativos) podem alavancar um discurso ou proposta original. A diretora/roteirista Sian Heder, que baseou sua obra no filme francês La Famille Belier – bem mais fraquinho, diga-se de passagem -, se resolve muito bem neste uso de convenções para contar uma história extremamente inovadora. Vemos isso no ótimo uso do silêncio e ao fato de algo em torno de metade dos diálogos da obra ocorrerem através da linguagem de sinais, no situando do cotidiano realista e especialmente bem-humorado dos personagens surdos.

Além disso, assim como o sensacional O Som do Silêncio, o longa trabalha com a surdez e a música. Acaba sendo o principal conflito que pensamos, dado o “extremo” das duas circunstâncias. Contudo, diferente do filme lançado em 2020 que entregava uma história de perda e adaptação, No Ritmo do Coração trabalha com a busca do sonho. Ruby almeja uma carreira musical, mas é sempre restringida por sua dinâmica familiar – especialmente sua mãe -, e silenciada por suas dificuldades de comunicação dado sua forma de criação, já que a personagem cresceu sendo uma intérprete familiar. Assim, excluída (e de certa forma explorada, não intencionalmente pelos pais) no seio familiar por sua voz, ao mesmo tempo que não aprendeu a realmente ter uma voz (vontade, ação) na sociedade, o coming of age de Ruby se torna um belíssimo estudo sobre aprender a se expressar.

É bacana como em vários momentos da fita Ruby não consegue manifestar seus sentimentos pela fala, e sim apenas através da linguagem de sinais e/ou a música, rendendo alguns momentos tocantes e verdadeiramente poderosos sobre comunicação. Por ser uma personagem basicamente “estranha” em seus círculos de vivência, seja o particular e o privado, o estudo dramático de Ruby realmente ganha camadas de complexidade que se distanciam de um sentimentalismo bobo que acompanham várias dessas histórias adolescentes. Para além disso, é importante pontuar como a protagonista serve à trama como uma espécie de “ponte” entre esses dois “mundos”, funcionando como um ótimo artifício para representação da cultura dos surdos e sua comunicação em um espaço-visual.

É provavelmente nesse ponto familiar que o longa ganha meu coração. Ao invés de fazer um retrato estereotipado, de fardo ou em segundo plano da família de Ruby, a cineasta Sian Heder está interessada em desenvolver a expressão dos personagens também interpretados por atores surdos (Marlee Matlin, Troy Kotsur e Daniel Durant, todos extremamente genuínos e envolventes). Isso é melhor desenvolvido no arco do irmão de Ruby, sempre à procura por autonomia, criando uma ligação emocional entre os personagens sobre independência de comunicação e formas de expressão, seja a fala, a música ou a linguagem de sinais.

E o que é comunicação, senão uma forma de falar sobre si mesmo e aprender sobre o outro? No Ritmo do Coração pode ser resumido a isso, o retrato cotidiano de uma cultura e grupo de pessoas que necessitam de reconhecimento, autonomia e representação autêntica. Minha única ressalva na obra seria em relação a alguns blocos escolares deslocados entre a protagonista e seu professor caricato, além do romance adolescente irrelevante, mas entre canções e sinais, Ruby e sua família aprendem a se expressar, no entregando sequências ternas e carinhosas. Um verdadeiro filme feel good, que deixa uma mensagem maravilhosa sobre comunicação e família.

No Ritmo do Coração (CODA) | EUA, 22 de setembro de 2021
Direção: Sian Heder
Roteiro: Sian Heder (baseado no roteiro do longa La Famille Belier, de Victoria Bedos, Stanislas Carré de Malberg, Éric Lartigau e Thomas Bidegain)
Elenco: Emilia Jones, Eugenio Derbez, Troy Kotsur, Ferdia Walsh-Peelo, Daniel Durant, Marlee Matlin, Amy Forsyth, Kevin Chapman
Duração: 102 min

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