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Crítica | No Silêncio de uma Cidade

por Ritter Fan
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Como bem escreveu meu colega Rafael Lima em sua crítica de A Gardênia Azul, “embora o cinema Noir seja lembrado principalmente por seus detetives particulares e Femme Fataleshá uma figura bastante presente no subgênero, mas nem sempre associado a ele: os jornalistas”. De fato, repórteres e jornalistas são muitas vezes os destaques esquecidos desse estilo cinematográfico, mesmo considerando o fascínio que o conceito de “fazer tudo por um furo” seja algo muito aproveitado como premissas de grandes filmes, talvez mais recentemente com o excelente O Abutre.

Fritz Lang, então, retorna a esse arquétipo, no “segunda capítulo” do que pode ser visto como sua trilogia noir jornalística, que começou com o citado A Gardênia Azul, de três anos antes, e que foi encerrada com Suplício de Uma Alma, do mesmo ano de No Silêncio de uma Cidade, também estrelado por Dana Andrews e que seria o último filme americano do cineasta. São três filmes completamente desconectados e independentes, mas que usam a premissa do jornalismo a todo custo para trabalhar histórias de caráter sombrio.

Baseado no romance The Bloody Spur, de Charles Einstein, por sua vez inspirado no famoso e mais do que polêmico caso do Assassino do Batom que assustou os EUA entre 1945 e 1946, o roteiro de Casey Robinson usa os crimes primordialmente como pano de fundo para uma história que foca mesmo é na dinâmica de um grande conglomerado jornalístico cujo dono, Amos Kyne (Robert Warwick), trabalhando em uma cama de hospital instalada em seu escritório, morre logo no começo da projeção, com seu filho, Walter (Vincent Price), que nunca se interessou por seus negócios, assumindo a posição do pai e logo estabelecendo uma competição entre os três maiores nomes da empresa, Mark Loving (George Sanders), chefe do serviço de cabo, Jon Day Griffith (Thomas Mitchell), chefe da divisão jornalística e “Honest” Harry Kritzer (James Craig), chefe da divisão de TV pelo recém-criado cargo de Diretor Executivo, na prática seu braço direito para fazer todo o trabalho. É curioso como o roteiro não tem pressa em estabelecer essa inusitada e quase shakespeareana mecânica que deixa os jornalistas em polvorosa e ávidos por mostrar eficiência ao novo chefe.

Mas o que realmente torna toda essa situação interessante é que nenhum dos personagens acima é o principal na história, com Dana Andrews e seu adorado e carismático âncora jornalístico Edward Mobley, claramente o mais competente de todos ali, é quem ganha esse posto imediatamente, algo que é estabelecido além de qualquer dúvida pelo fato de ser ele quem fala por último com o moribundo magnata Amos Kyne. Mas Mobley, que há muito largara o jornalismo investigativo, não tem o menor interesse no cargo criado por Walter, ainda que Mark e John façam uma constante queda de braço para ganhar favores do jornalista (e também da colunista-estrela Mildred Donner, vivida por Ida Lupino) de forma a descobrir quem é o Assassino do Baton, o que eles acham que será a prova final da eficiência deles, com Harry usando uma estratégia diferente: como ele é amante de Dorothy (Rhonda Fleming), esposa de ninguém menos do que Walter, ele a manipula de forma a ganhar favores do chefe.

Esses arcos entrelaçados maravilhosamente pelo roteiro e costurados com precisão por Fritz Lang, formam o verdadeiro coração da fita, que faz de tudo para mostrar a podridão no coração de cada um dos jornalistas, literalmente capazes de qualquer coisa para alcançarem seus objetivos. Até mesmo Mobley, que é inicialmente pintado como o galã de reputação ilibada, não hesita um segundo sequer em usar sua noiva, Nancy Liggett (Sally Forrest), por acaso secretária de Loving, como isca para fisgar o assassino e isso sem ela sequer saber.

A relação entre jornalistas e entre eles e suas noivas e esposas é tão boa que confesso que fiquei desapontado na medida em que a narrativa progride e começa a dar mais destaque para o serial killer, vivido por John Drew Barrymore, que seria um dia pai de, claro, Drew Barrymore. Não que as cenas sejam desinteressantes ou mal feitas, pois elas são longe de serem, mas simplesmente não se comparam com a forma fluida e realmente fascinante como Lang estabelece uma perfeita coesão à vida jornalística trabalhada no filme, com o elenco todo funcionando de maneira azeitada, com bons destaques dados a cada um deles. As sequências com o assassino são, apenas, intervalos que, apesar de nos levar ao clímax de ação, não acrescentam tanto a história quanto talvez o roteirista imaginasse que acrescentavam.

No entanto, o ponto da película, que é a caracterização dos jornalistas como pessoas capazes de tudo por um furo – talvez haja injusta aí, mas diria que não tanto se formos sinceros -, inclusive, mas não se limitando a correr com notícias não confirmadas que poderiam levar à prisões errôneas, ponto do romance de Einstein e do caso real do Assassino do Batom, é perfeitamente trabalhado em No Silêncio de uma Cidade. Lang não hesita nesse enquadramento e seu filme serve como um constante lembrete tanto para os jornalistas em si, quanto para nós, que dependemos deles para sermos alimentados de notícias.

No Silêncio de uma Cidade (While the City Sleeps – EUA, 1956)
Direção: Fritz Lang
Roteiro: Casey Robinson (baseado em romance de Charles Einstein)
Elenco: Dana Andrews, Rhonda Fleming, George Sanders, Howard Duff, Thomas Mitchell, Vincent Price, Sally Forrest, John Drew Barrymore, James Craig, Ida Lupino, Robert Warwick, Mae Marsh, Leonard Carey, Ralph Peters, Sandy White
Duração: 100 min.

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