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Crítica | Nossa Bandeira É a Morte – 1ª Temporada

O bromance pirata.

por Ritter Fan
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Now that’s a fuckery!
– Bonnet, Stede.

Entre o final de 1716 e o começo de 1717, Stede Bonnet, aristocrata de 28 anos, casado, dono de terras em Barbados, e sem qualquer experiência em navegação, largou sua vida burguesa da noite para o dia e tornou-se um pirata capitaneando seu navio Revenge (Vingança) que contava com uma tripulação assalariada, atividade que ele continuou fazendo até sua morte no final de 1718. Ele tornou-se conhecido como o Pirata Cavalheiro, por razões óbvias, e assim entrou para os livros de história, sendo usado como personagem em diversas obras literárias. Sem dúvida alguma, uma história boa demais para não ser contada na forma de filme ou série, mas que, surpreendentemente não havia sido contada assim até agora (não diretamente e não o tendo como protagonista).

Esse erro foi ainda bem corrigido pelo razoavelmente inexperiente David Jenkins com Nossa Bandeira É a Morte, série satírica produzida por Taika Waititi que a e co-estrela como o famoso pirata Edward Teach, mais conhecido como Barba Negra, ao lado de Rhys Darby, absolutamente irretocável como Bonnet. Normalmente faço questão de privilegiar o verdadeiro criador da série no lugar de “nomes chamarizes” como os de M. Night Shyamalan, em Servant e Ridley Scott, em Raised by Wolves, proeminentente usados em cartazes para fisgar espectadores, mas, apesar de o crédito devido ir eminentemente para Jenkins, é inafastável a conclusão de que o humor de Waititi está fortemente presente aqui, transformando esta em uma série irmã de What We Do In the Shadows, também tecnicamente não criada por Waititi, mas que carrega sua marca vinda do filme de 2014 que ele co-escreveu e co-dirigiu.

Nossa Bandeira É a Morte não é uma série de humor rasgado, para extrair risadas capazes de gerar dores estomacais do espectador, porém. Trata-se de uma surpreendentemente próxima versão audiovisual da história real – não acreditem quando dizem por aí que é uma inspiração distante apenas – com uma surpreendentemente melancólica abordagem da vida em geral, que direção tomar, o que fazer diante da monotonia, da falta de amor e assim por diante, cumulada com um inteligente uso da estrutura de bromance que, aqui, subverte a noção geral sobre piratas e sobre a masculinidade, algo que a espetacular série dramática Black Sails já havia feito, mas que os roteiros delicados de Nossa Bandeira É a Morte somados ao elenco bem diverso e sempre interessante e divertido, emprestam mais significado ainda.

A série começa lentamente, fiando-se talvez demais nas idiossincrasias de Stede Bonnet como base para suas piadas e isso logo é desgastado, só retornando de verdade quando Barba Negra e seu imediato Israel “Izzy” Hands (Con O’Neill) são introduzidos e estabelecendo o bromance que mencionei, com direito a Izzy – durão, sério e sanguinário, ou seja, o típico pirata de lenda – sofrendo por ciúmes de seu chefe e sua conexão quase que imediata com o aristocrata que tem um closet secreto repleto de roupas chiques e uma lareira(!!!) em sua vasta cabine. A convergência se dá por um artifício muito simples, mas também muito eficiente: Stede quer aprender a ser pirata com Barba Negra e o Barba Negra quer aprender a ser aristocrata com Stede. E, claro, ajuda muito que Darby e Waititi simplesmente arrasem como a dupla pirata menos ameaçadora que já singrou os Setes Mares.

Os coadjuvantes que formam a tripulação do Pirata Cavalheiro são quase alegóricos. Não digo estereotipados, pois isso eles definitivamente não são. Mas eles sem dúvida representam fisicamente características específicas e necessárias (em alguns casos não tanto, mas tudo bem…) para que o arco narrativo de Bonett-Teach ganhe mais cores e relevância. Há desde Oluwande, o marinheiro centrado, de cabeça fria vivido por Samson Kayo, passando por o Buttons de Ewen Bremner, um completo maluco que conversa com gaivotas e toma banho de lua pelado no convés e a mulher vestida de homem Bonifacia “Jim” Jimenez, de Vico Ortiz, personagem claramente inspirada em Mary Read, chegando até Lucius (Nathan Foad), que, a pedido de Stede, mantém um diário sobre as desventuras do capitão e tem grande sensibilidade sobre o que acontece debaixo da superfície.

Com uma direção de arte que mantém os cenários considerável e propositalmente artificiais, de certa forma emulando os filmes de época filmados em estúdio dos anos 30, 40 e 50, diálogos anacronicamente modernos que floreiam as diversas críticas sociais que permeiam toda a narrativa e personagens pitorescos que trazem todo o frescor que a série precisa para manter-se relevante até o final, com uma promessa de um segundo ano igualmente interessante, Nossa Bandeira É a Morte é uma simpática e inteligente sátira que coloca o arquetípico mundo da pirataria de cabeça para baixo. E isso sem esquecer das pitadas de melancolia, do recheio focado no bromance que ensaia deixar o “b” de lado por diversas vezes – se deixa ou não, só assistindo a série para saber – e, claro, do fino humor que é sempre constante, mas nunca histérico ou escrachado. Sem dúvida alguma, um tesouro a ser descoberto!

Nossa Bandeira É a Morte – 1ª Temporada (Our Flag Means Death – EUA, de 03 a 24 de março de 2022)
Criação: David Jenkins
Direção: Taika Waititi, Nacho Vigalondo, Fernando Frías, Bert & Bertie (Amber Templemore-Finlayson, Katie Ellwood), Andrew DeYoung
Roteiro: David Jenkins, Adam Stein, Eliza Jiménez Cossio, John Mahone, Simone Nathan, Zayre Ferrer, Alyssa Lane, Alex Sherman, Yvonne Zima
Elenco: Rhys Darby, Taika Waititi, Kristian Nairn, Nathan Foad, Samson Kayo, Rory Kinnear, Con O’Neill, Vico Ortiz, Ewen Bremner, David Fane, Joel Fry, Guz Khan, Matthew Maher, Nat Faxon, Samba Schutte, Leslie Jones, Fred Armisen, Claudia O’Doherty, Boris McGiver, Gary Farmer, Kristen Schaal, Nick Kroll, Tim Heidecker, Kristen Johnston, Yvonne Zima, Will Arnett, Angus Sampson
Duração: 302 min. (10 episódios)

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