Home FilmesCríticas Crítica | Nova Ordem (Nuevo Orden, 2020)

Crítica | Nova Ordem (Nuevo Orden, 2020)

por Luiz Santiago
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Eu não entrei na sessão de Nova Ordem esperando ver um filme fácil. Experiências anteriores com o cinema de Michel Franco me davam um bom indicativo do “conteúdo divisor” que teria diante de mim, e cheguei, inclusive, a ficar surpreso com os 26 minutos iniciais da obra, estranhando a encenação mais controlada do diretor, sem nenhum grande adendo problemático no quadro. Mal sabia eu que presenciava a melhor parte do filme. E que desse ponto em diante, a intenção do cineasta, seja ela qual fosse, só empurraria a obra ladeira abaixo.

Pelo título da fita já é possível aludir ao seu conteúdo de caráter político, de uma mudança possivelmente negativa. Para quem comprar o cinismo diante da violência proposital e sem propósito, é possível que trilhe o caminho de uma “crítica niilista” que a obra traz. De minha parte, não vejo nada disso. Nova Ordem realmente faz jus ao título e nos apresenta uma mudança — o princípio de uma distopia, para usar um termo comumente atribuído a esse tipo de cenário. Mas a soma de um despropósito para o que se vê na tela a partir do segundo ato e a maneira como o diretor não faz nenhuma questão de validar pistas simples (visuais e narrativas) que indicam problemas de classe e de uma militarização descontrolada nos leva para a seguinte questão: qual é o foco do filme?

Começamos com uma grande tensão no ar. Sabemos que algo está para acontecer, temos pistas espalhadas em cenas diferentes (o uso da tinta verde, por exemplo), mas não conseguimos saber exatamente o quê. Em poucos diálogos fala-se de uma grande manifestação em algum lugar, e isso reforça a inquietude na condução da câmera ao longo da festa de casamento. Há uma certa proximidade programada do diretor frente a esse ambiente luxuoso, com os personagens ricos preferencialmente de frente pra câmera e frequentemente bem iluminados. O oposto disso vemos na forma como ele filma os trabalhadores da casa. Com o passar do tempo, essa diferença na forma de capturar as classes se torna um problema para o filme, já que o encadeamento dado para tudo isso é nulo, banal. As pessoas sofrem porque sofrem; há violência porque sim… e fica por isso mesmo. Imagino qual seria a reação do povo que deixou o cinema no início de A Casa Que Jack Construiu ao ver essa tolice ensanguentada de Michel Franco.

Ao expor o controle de determinadas forças (militares ou paramilitares) na tomada do poder, criando essa “nova ordem” da qual fala o título, o diretor consegue a muito custo uma proximidade e um distanciamento do público em relação a alguns personagens. Todavia, esse abismo é tão grande e agravado pelo fato de o diretor não usar das ferramentas que tem para dar um sentido específico a isso, no corpo do filme, que chegamos à seguinte conclusão: ele escolheu um grupo específico para odiar e outro para amar. A diferença de classe até poderia ser um elemento crítico (assim como a costura fascista e a corrupção nas diversas vertentes armadas), mas o longa não cria algo que corrobore isso. Parece que estamos no miolo de um filme de 4 horas, onde tudo o que daria sentido ao que vemos está antes e depois de Nova Ordem.

A representação da violência no cinema não é mais um tabu, então o problema do filme não está exatamente aí. Em vez de construir uma aceitável motivação para tudo, o diretor exibe uma diferença animalesca entre os grupos (será que ele estava tentando emular Parasita ou algo do Haneke?) e trata parte dos personagens como bonecos que sofrem por algo que nunca se mostra de verdade o que é. Se a sociedade é problemática, se as instituições têm problemas e se as relações de trabalho e classe constituem-se algo que merece um olhar crítico, então que o filme abordasse essas coisas por um caminho que chegasse a algum lugar! Nesse produto, o que tivemos foi apenas um desfile de infâmias pelo simples prazer de chocar, sem muita coisa além disso. Salvam-se os primeiros 26 minutos do filme, apesar de alguns incômodos aqui e ali. O restante… é puro e simples fetiche de crueldade.

Nova Ordem (Nuevo Orden) — México, França, 2020
Direção: Michel Franco
Roteiro: Michel Franco
Elenco: Samantha Yazareth Anaya, Dario Yazbek Bernal, Patricia Bernal, Diego Boneta, Analy Castro, Fernando Cuautle, Mónica Del Carmen, Zamira Franco, Ximena García, Naian González Norvind, Claudia Lobo, Roberto Medina, Eligio Meléndez, Eli Nassau, Lisa Owen
Duração: 88 min.

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