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Crítica | Nunca Fui Amada

Abordagem interessante, ainda que arrastada.

por Leonardo Campos
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Nunca Fui Amada

Desenvolvido com coesão e coerência narrativa, Nunca Fui Amada é um bom filme sobre uma mulher ciente do seu poder numa sociedade misógina, figura ficcional aparentemente frágil, mas que no painel de reviravoltas proposto pela trama em que se encontra, demonstra que agir silenciosamente e orquestrar uma vingança audaciosa pode ser a melhor resposta para dois homens que a tratam como objeto. Letárgico e com estética pouco atraente, propositadamente opaca e sem a efusão de cores dos cenários e figurinos, algo esperado de um filme que traz, salvaguardadas as devidas proporções, o arquétipo da mulher fatal, a produção escrita e dirigida por James Toback é uma tessitura narrativa que caminha sem pressa por sua proposta e entrega situações que especialistas e o próprio realizador identificou como parte de sua trajetória na vida real, cheia de casos e acasos envolvendo sexo, relacionamentos e polêmicas. É uma panorâmica narrativa dramática que traz algumas doses de suspense com uma discreta atmosfera de erotismo, diluído em cada segundo do tecido dramática sexualmente latente.

Ao longo dos 81 minutos que parecem mais de duas horas, afinal, Nunca Fui Amada é um filme arrastado, acompanhamos uma história desenvolvida em Nova Iorque, a cidade que o cinema, a televisão e a literatura já exploraram bastante em outras circunstâncias visualmente mais ousadas, algo que aqui, é trabalhado de maneira mais contida. Conhecemos Vera, interpretada com firmeza por Neve Campbell, uma solista que vive os seus dias sem contabilizar problemas financeiros, haja vista o poder aquisitivo que permite a circulação desta jovem mulher pelos melhores restaurantes, lojas, museus, dentre outros recursos luxuosos de uma vida sem percalços do tipo. Ela mora num apartamento confortável, atraente e cuida da saúde diariamente, mantendo-se equilibrada para os obstáculos que o cotidiano pode oferecer-lhe em alguma situação inesperada. Ser rica e requintada não significa que a moça deixe de lado a sua perspectiva de vida selvagem, onde o sexo prazeroso também é uma ostentação.

Vera namora um jovem traficante chamado Ford Welles (Fred Weller), um homem de comportamento escorregadio, daqueles que se acham espertos demais para enganar todo mundo. Cheio de planos, ele arma uma situação para a namorada, mas não esperava que a moça tivesse planos maiores. O fato de Ford ser pobre e atuar em coisas consideradas ilícitas é algo que não desanima Vera, pois ela gosta dessa sensação de viver diante de posturas ultrajantes. E no final das contas, a personagem não precisa dele para nada além do sexo e do convívio social nos momentos que lhe são oportunos. Sobre o plano do moço, temos o seguinte: ele pretender enganar o Conde Tommaso (Dominic Chianese), um magnata italiano que trabalha no ramo da comunicação midiática. Num clima parecido com Proposta Indecente revertida, o homem mais velho deseja a namorada de Ford. Juntos, eles vão barganhar a moça. Ao propor para Vera um encontro com o homem em questão, ela aceita. Mas analisa a situação e percebe que nem tudo que foi dito entre eles de fato ficou delineado na proposta, o que a irrita.

No esquema que envolve dinheiro e outras coisas, Vera descobre que o cálculo de Ford que lhe foi exposto é enganoso e na situação de desonestidade, resolve criar um plano de vingança para os homens que a colocam numa posição de moeda. O que fazer com esses dois homens? Um é o ideal para jantar, ir na ópera, circular por espaços sofisticados, sendo o outro, enérgico para momentos de bom desempenho sexual. Colocando tudo sempre em sua balança arbitrária, Vera vai conduzir o seu jogo silenciosamente e estabelecer as regras próximo ao final, deixando os homens que de certa maneira, a subjugaram, surpreendidos por sua audácia. No desenrolar da trama, ainda temos uma breve participação de Mike Tyson a interpretar ele mesmo e uma cena de lesbianismo que demonstra como Vera gosta de dar vazão aos seus desejos mais intensos. E sim, a participação em questão e a tal cena ousada podem parecer aleatórias, mas não são, pois fazem parte do conjunto de todo o processo narrativo.

Em suma, Nunca Fui Amada tem uma história interessante, mas, como entretenimento, é um filme que aborrece bastante. É chato, obtuso, sem ânimo suficiente, algo que é pecaminoso para uma história cheia de tantos momentos ousados. A direção de fotografia de Larry McConkey busca enquadrar a protagonista por meio de planos e movimentos ousados, mas o que é fotografado para o espectador parece brando demais, sem a vivacidade esperada por nossos olhos. O design de produção de Ernest Solo é interessante arquitetonicamente, com cenários e espaços bem construídos para a circulação dos personagens cheios de conflitos, um ponto positivo para a cenografia de Mila Khalevich. Falta, no entanto, uma edição que favorecesse as cores do setor. A trilha sonora de Oliver Power Grant é constantemente discreta, clean, adorável, sem se intrometer demais e atrapalhar o andamento das coisas. Em linhas gerais, uma boa proposta, trabalhada com pouco vigor estético e com ritmo demasiadamente lento. E sim, Neve Campbell se torna uma mulher fatal e selvagem depois que a tiram de sua zona de conforto. Nada de facas, ataque contra animais de estimação ou ameaças psicológicas. Aqui, ela coloca os seus homens em reflexão diante da suposta postura de poder que eles achavam que mantinha.

Nunca Fui Amada (When Will I Be Loved | EUA – 2004)
Direção: James Toback
Roteiro: James Toback
Elenco: Neve Campbell, Frederick Weller, Ashley Shelton, James Toback, Alex Feldman, Brandon Sommers, Oliver ‘Power’ Grant, Mike Tyson, James Parris, Cara Hamill, Christina Rotholz, Bridget Lee Hall, Thomas Patti, Lori Singer, Jean-Pierre Vertus, Dominic Chianese
Duração: 81 min

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