Home FilmesCríticas Crítica | O Agente da U.N.C.L.E. (2015)

Crítica | O Agente da U.N.C.L.E. (2015)

por Davi Lima
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Quando se pensa em espionagem e cinema o personagem mais popular, provavelmente, é James Bond, o 007. Poucas séries e franquias de espiões foi tão longevo quanto a criação de Ian Fleming, mas poucos conhecem que esse mesmo escritor ajudou uma série americana também produzida pela MGM, a mesma empresa do leão que ruge antes do filme do licenciado para matar, chamada O Agente da U.N.C.L.E. O estilo fanfarrão, desapegado e irônico dos espiões no audiovisual parece beber da mesma fonte, e o diretor Guy Ritchie aprecia muito isso nos filmes, mas para os malandros e gangsters, não os bem vestidos agentes da CIA, KGB e MI6. 

Talvez por isso, compreendendo a posição diferenciada dos personagens que costuma produzir em seus filmes e as referências que almeja fazer a produção original da década de 60, o diretor britânico torne o gênero de espionagem como uma grande ironia acelerada para não perder a piada do quanto se pode preservar ou não do realismo desse tempo de Guerra Fria. No entanto, seu desapego misturado com a homenagem promove e desarticula o poder da pose num desinteresse dos personagens pela própria ação de espionagem.

No começo do longa busca-se resumos acelerados, de quem é o americano Napoleon Solo (Henry Cavill) numa apresentação de retroprojetor manuseado pelo amiguinho do diretor chamado David Beckham – fazendo uma ponta -, do drama do russo Illya Kuryakin (Armie Hammer) com close-up nos punhos cerrados e rosto raivoso do personagem e do objetivo da espionagem com uma perseguição de carros na Alemanha Oriental entre os dois espiões com a bela Gaby Teller (Alicia Vikander). Como introdução, há um aparente acerto de ritmo no quesito de estimular novos ares para o cinemão antigo de espiões, mas a cada novo artifício desse subgênero, como agentes saindo de uma mesa como piada clássica, ou os disfarces na Itália sendo desconfigurados, sempre caem mais numa malandragem de pulos narrativos “ritchieanos”. A trilha sonora de Daniel Pemberton é bem sintomática de uma certa pressa que o diretor vacila em tratar com seu roteiro em parceria com Lionel Wigram (Sherlock Holmes), como uma bengala de entretenimento para dar gosto a uma dinâmica de tempo própria sem conexão à espécie lúdica de gadgets para abrir fechaduras e invadir locais secretos, ou até mesmo entregar reviravoltas típicas dessas histórias.

Ainda, esse estilo Guy Ritchie, que parece impaciente com uma tentativa de segurar sua montagem didática e contar histórias não lineares, ou narradas, consequentemente projeta desinteresse, ou um interesse interno demais, como uma piada referencial a série busca contato fora dos momentos de gravação e produção do filme sem sucesso. As homenagens a série dos anos 60 trata com questões visuais, como a montagem dividida da tela, ou até mesmo em recortes de episódios junto à fotografia que sempre parece investigativa, como se alguém fizesse zooms com uma câmera fotográfica em várias cenas com Illya, Solo, Gaby e os vilões Victoria (Elizabeth Debicki) e o tio Rudi (Sylvester Groth), tio de Gaby. Em séries antigas da TV havia muito esse feito com a fotografia para criar impactos dramáticos, em que os zooms foram ficando mais lentos para diminuir o cartunesco que a TV ganhou de moda com o novelesco. 

Todos esses tons existem no filme, até os créditos finais as fotos mostradas se equivalem aos enquadramentos tanto mais televisivos como parelhamente cinematográficos por essa aparência dos personagens estarem sendo vigiados. Mas assim como a cena em que o tio Rudy e sua sobrinha Gaby conversam no carro e o vidro fechado impede que o espectador ouça, ou entenda o que os personagens falam, da mesma forma essas referências visuais ficam inócuas a experiência do filme. Numa medida proporcional, essas homenagens estão para a ambígua montagem de uma outra perseguição mais próxima do final do longa, que é um misto de pressa e intensidade, transparecendo que a espionagem e a empolgação da missão, etc, são dispensáveis, até mesmo para os personagens.

Diante dessa ambiguidade na qualidade de como o estilo Ritchie pode fazer o espectador se envolver mais rápido e fazê-lo se desapegar da história simultaneamente, ao menos os personagens mantêm uma estabilidade em meio a instável gracinha interna depreciativa do gênero de espionagem. Diferente da estética visual do filme que usa o cenário da guerra fria e espiões para desfazê-la em seguida numa pose mais contemporânea para não admitir o tom televisivo referenciado; o trio Solo, Illya e Gaby concretizam melhor uma piada que não é interna nas imagens, ou alguma referência a série que Ritchie não quer tornar em conteúdo ou nostalgia, provocando originalidade com um pressuposto de adaptação. 

O que vai além de um impasse para o diretor é a própria variedade do conteúdo dos personagens, a rivalidade deles, além da dependência da trilha sonora que indica a piada além do interno. Hammer com os extremos e estereótipos russos de um drama mais exagerado compensa a personificação dos problemas do filme em Solo, americano interpretado por um ator inglês demais. Enquanto Alicia Vikander, visualmente de baixa altura entre dois homens grandes, interpretando uma personalidade intransigente e fazendo humor físico, provoca algo além que Ritchie pode controlar. Junto a isso, a exemplo das músicas, a canção de Tom Zé é que dá graça à pressa cômica do diretor numa cena, quando os personagens precisam voltar para o hotel para não serem descobertas pela vilã Victoria.

Assim, o embate da união das três nacionalidades – o americano, o russo e a britânica – contra o nazismo do tio Rudy e o fascismo italiano da família que a vilã pertence, o entretenimento principal da história de espionagem que referencia a série, se torna uma introdução como justificativa do desinteresse estiloso de Guy Ritchie. Isso que compõe uma comédia interior que não exponha alguma depreciação explícita, nem alguma nostalgia, que se mistura com a comédia envolta da rivalidade dos personagens principais. Afinal, O Agente da U.N.C.L.E se torna legal por se manter fino na pose dessa composição, quando isso vira silhueta, algo mais honesto em representação do que o diretor quis propor em sua indecisão para o longa-metragem.

O Agente da U.N.C.L.E. (The Man from U.N.C.L.E.) – EUA|Reino Unido, 2015
Direção: Guy Ritchie
Roteiro: Guy Ritchie, Lionel Wigram
Elenco: Henry Cavill, Armie Hammer, Alicia Vikander, Elizabeth Debicki, Hugh Grant, Luca Calvani, Sylvester Groth, Jared Harris, Christian Berkel, Misha Kuznetsov, Guy Williams
Duração: 116 min.

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