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Crítica | O Agente Noturno – 1ª Temporada

E tudo começa com um telefonema...

por Ritter Fan
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Sabe aquelas séries cientificamente estruturadas de maneira que seja impossível a alguém que não tenha o autocontrole de um monge budista deixar de ver o episódio seguinte… e o seguinte… e o seguinte? Pois bem, isso é exatamente o que é O Agente Noturno, obra de espionagem repleta de reviravoltas, revelações e conspirações baseada em romance homônimo de Matthew Quirk originalmente publicado em 2019. Isso não quer dizer que a série do Netflix seja o suprassumo absoluto dos thrillers de ação, longe disso, mas os 10 episódios da temporada inaugural resultam, se o espectador estiver realmente disposto a suspender sua descrença, em uma jornada inegavelmente divertida, até porque as doses cavalares de inverossimilhanças vêm acompanhadas de alguns genuinamente bons momentos de pancadaria e de suspense, além de um trabalho dramático de Gabriel Basso que consegue ficar alguns pontos acima da esperada linha mediana de atuações em obras semelhantes.

A premissa é básica, não mais do que uma variação do que foi feito infinitas vezes antes: um agente do FBI lotado em uma sala sem janelas no subsolo da Casa Branca cuja única função é ficar à disposição para atender um telefone ultrassecreto que nunca toca, recebe uma fatídica ligação de uma jovem que está prestes a ser assassinada. Um aparentemente prosaico pontapé inicial vai, então, paulatinamente ganhando mais vulto, até chegar a proporções gigantescas e impossivelmente ameaçadoras lá pelos dois episódios finais. O agente em questão é Peter Sutherland (Basso) que, um ano antes, impediu um atentado terrorista no metrô, mas acabou sendo acusado do crime pelos conspiracionistas de plantão, o que atrapalhou sua carreira e a quase vítima é Rose Larkin (Luciane Buchanan), uma empresária do ramo de cibersegurança que acabou de falir e de ver seus tios serem assassinados. Não demora e Peter e Rose se conhecem pessoalmente e a história, então, começa a ganhar constantes camadas de suposta complexidade que, na verdade, não passa de um amontoado de situações mortais que a dupla escapa por um triz enquanto descobre os mais aterradores fatos sobre pessoas importantes da máquina do governo.

Como disse logo no começo, O Agente Noturno é desenvolvido em cima do conceito de binge watching, algo que, hoje em dia, abomino completamente. Mas até eu sou o primeiro a admitir que os roteiros comandados pelo showrunner Shawn Ryan (que trabalho nessa capacidade, dentre outras séries, na excelente e bem diferente The Shield) são muito bem sucedidos nessa tarefa, criando quase que uma compulsão por ver “só mais um pouquinho” da série. Mas, se destilarmos a essência da obra, o que Ryan faz, lá no fundo, é trabalhar com base na infeliz realidade que diz que a capacidade de atenção exclusiva do espectador, no mundo moderno, é mínima, isso se existir. Com isso em mente, ele deve ter determinado como regra número um na sala de roteiristas a obrigatoriedade de não deixar passar 10 minutos sem algum grande momento, seja em termos de ação, seja em termos de revelação. E é com essa estrutura que O Agente Noturno progride, mesmo que, para isso, personagens novos – alguns descartáveis, outros nem tanto – tenham que ser introduzidos com alguma constância e com a magia da conveniência narrativa por trás. Não é a melhor coisa do mundo, claro, mas, novamente, faz parte do jogo de uma série com essa proposta que precisa se segurar por 10 episódios que variam de 44 a 56 minutos.

Curiosamente, porém, apesar de toda a já mencionada inverossimilhança, é inevitável concluir que história consegue se segurar bem, evitando desvios narrativos do tipo que só existem para “encher linguiça”. Mesmo quando toda uma história da filha do vice-presidente dos EUA é introduzida, não demora para as narrativas tangenciarem e, logo em seguida, entremearem-se. Pontos provavelmente para o showrunner que foi capaz de resistir à tentação e soube segurar as rédeas de forma que a primeira temporada acaba contando uma história completa, com começo, meio e fim, que obedece a uma lógica, mesmo que essa palavra deva ser usada com uma definição bem mais ampla e solta do que o normal. E, nos dias atuais em que o “mais, mais, mais” parece vir à frente da história, essa qualidade não pode, nem deve ser relegada ao segundo plano.

Também como citei no início, Gabriel Basso funciona bem. Não, ele não está no nível, por exemplo, de John Krasinski na série Jack Ryan, mas ele é muito superior à neandertalidade hilária de Alan Ritchson em Reacher. Basso consegue ser minimamente nuançado, consegue demonstrar sofrimento, dor, insatisfação e até alegria sem parecer que está se esforçando ou atuando. Mesmo considerando que seu personagem não é particularmente multifacetado – ainda que seja mais do que o “normal” – o ator sabe sumir ali dentro, dando vida a um agente que não consegue fugir de um passado complicado que remonta à sua adolescência e a suspeita de que seu pai, também agente do FBI, foi um traidor. Foi, portanto, uma escalação inspirada que consegue fazer a diferença em O Agente Noturno.

Já renovada para uma segunda temporada que, desconfio (e espero), contará uma história desconectada dessa primeira, O Agente Noturno é, para usar um clichê, diversão garantida (mas sem dinheiro de volta se não for…) que é capaz de ir um pouco além do que obras do mesmo naipe, de consumo fácil, costumam ir. Shawn Ryan está de parabéns por ter sabido usar clichês do gênero e a estrutura de binge watching da melhor forma possível, sempre tentando subir um pouco o sarrafo. Resta saber se ele conseguirá elevar ainda mais o nível na próxima aventura do agente noturno.

O Agente Noturno (The Night Agent – EUA, 23 de março de 2023)
Desenvolvimento: Shawn Ryan (baseado em romance de Matthew Quirk)
Direção: Seth Gordon, Guy Ferland, Ramaa Mosley, Adam Arkin, Millicent Shelton
Roteiro: Shawn Ryan, Munis Rashid, Seth Fisher, Corey Deshon, Imogen Browder, Tiffany Shaw Ho, Rachel Wolf
Elenco: Gabriel Basso, Luciane Buchanan, Fola Evans-Akingbola, Sarah Desjardins, Eve Harlow, Phoenix Raei, Enrique Murciano, D. B. Woodside, Hong Chau, Andre Anthony, Christopher Shyer, Toby Levins, Ben Cotton, Kari Matchett
Duração: 486 min.

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