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Crítica | O Amor Não Tira Férias

por Leonardo Campos
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Há um lado violento, selvagem e excludente na época do Natal. Segundo uma das canções prediletas dos brasileiros, o “ano termina e nasce outra vez”, entre outras coisas, o que nos leva a pensar que é uma época para colocarmos em perspectiva tudo que fizemos ao longo de doze meses. Quais as conquistas profissionais? Quais as conquistas amorosas? A saúde está bem? Os filhos passaram de ano ou fizeram recuperação? A depender da resposta, o encontro entre os familiares pode gerar situações delicadas e controversas. Em suma, uma época difícil para muitos que não vivem em seus cotidianos, o ideal de felicidade propagado pelas campanhas publicitárias de margarina e refrigerante.

No filme em questão, as duas protagonistas decidem fugir de todo esse esquema de pressão social e psicológica. Com orquestração da renomada Nancy Meyers, experiente no terreno das comédias românticas, já que durante toda a sua carreira ainda em andamento, construiu outras histórias sobre o poder de cura do amor, tal como Do Que as Mulheres Gostam e Alguém Tem Que Ceder. Em O Amor Não Tira Férias, drama com pitadas generosas de romance e humor numa das épocas mais delicadas do calendário ocidental: dezembro, mês do Natal e dos festejos de final de ano, momento que de acordo com as regras sociais, vivem bem aqueles que podem se gabar de ter uma ceia em família e a participação garantida em amigos secretos.

Neste filme situado entre guirlandas, estrelas, árvores e extensos cordões de lâmpadas natalinas, somos apresentados ao cotidiano de Amanda Woods (Cameron Diaz) e Iris Simpkins (Kate Winslet). Elas são duas mulheres bem sucedidas profissionalmente, mas vivem situações desastrosas no amor, algo que se intensifica com a chegada dos festejos de final de ano. Ambas estão em busca de renovação, cansadas de suas realidades abastadas materialmente, mas vazias de sentido em aspectos emocionais.

Ao buscarem a mudança, uma possibilidade pouco convencional surge. Na internet, elas se conhecem e aderem a um programa curioso: trocar de residência durante o feriado, isto é, uma passar as férias na casa da outra. Enquanto uma sai dos Estados Unidos a outra chega da Inglaterra. Em meios às trocas culturais a que ambas se propõem, não é apenas na diferença de sotaque e de alguns aspectos culturais que as coisas ganham novos contornos.

Enquanto Amanda conhece Graham (Jude Law), Iris é apresentada ao humorado Miles (Jack Black). Novas esperanças surgem nos horizontes das duas. Amanda precisa urgentemente esquecer o antigo marido que a traiu, experiência diferente, mas dolorosamente semelhante em termos emocionais ao caso de Iris, apaixonada por um homem desonesto que a ilude por tempos, até descobrir que ele vai se tornar noivo de outra. Detalhe: o anúncio é realizado em plena festa de final de ano da empresa, diante de todos os colegas.

Amanda e Iris são representações cabais das fragilidades dos laços contemporâneos que Bauman trabalha tão bem em seu cultuado Amor Líquido. Conforme traz o autor, “a fragilidade dos vínculos humanos”, “o sentimento de insegurança que ele inspira” e “os desejos conflitantes de apertar os laços e ao mesmo tempo mantê-los frouxos” é um sinal das relações frágeis e inconsistentes que deixam todos incertos no que tange aos meandros das relações afetivas. As personagens saem de circunstâncias emocionais desagradáveis e não conseguem acreditar quando algo aparentemente adequado surge mais adiante. É a descrição pormenorizada da descrença nas instituições, desta vez, não os conglomerados físicos do capitalismo opressor, mas o amor e a felicidade, sentimentos que por convenção social, estão de alguma forma institucionalizados em nosso cotidiano e parecem uma obrigação, meta a ser alcançada para definir-se como “pessoa feliz”. Na época do Natal, então, tais cobranças se intensificam.

Mas por qual motivo? Se formos pensar numa perspectiva cultural, é um período de balanço. É quando as pessoas tentam estabelecer promessas não cumpridas ao longo do ano. É quando todos geralmente arranjam um tempo por conta do feriado prolongado, tendo em vista reunir-se com a família, mesmo que tal encontro seja indesejado. Em O Amor Não Tira Férias, as personagens não aparentam fortes laços familiares, o que lhes proporciona uma sensação mais angustiante de solidão, principalmente para Amanda, a bem sucedida produtora hollywoodiana interpretada por Cameron Diaz. Ela tem dinheiro, uma casa que parece uma obra de arte arquitetônica, mas na seara sentimental, sente o vazio da incompletude.

Com direção e roteiro de Nancy Meyers, o filme não apresenta quase nada de diferente em relação ao que a realizadora cultural já produziu. Há bons momentos, mensagens edificantes, mas a narrativa às vezes perde a oportunidade de fazer algo mais intenso e menos clichê. Principalmente porque O Amor Não Tira Férias é um filme extenso. Montado por Joe Hutshing, o material da diretora ganharia mais impacto dramático se tivesse duração um pouco menor. Em seus 130 minutos, muitas idas e vindas se estabelecem, em simbiose com a condução musical tocante do experiente Hans Zimmer. Temos como painel ilustrativo as diferenças culturais, espaço para circulação dos personagens que desenvolvem os seus conflitos na narrativa, mas o roteiro prefere seguir para as semelhanças: os corações apreensivos com a falta de amor em vidas que parecem viver no piloto automático, sempre respondendo às demandas de um sistema que nos oprime cotidianamente.

O Amor Não Tira Férias (The Holiday) — Estados Unidos/Inglaterra, 2006
Direção: Nancy Meyers
Roteiro: Nancy Meyers
Elenco: Cameron Diaz, Edward Burns, Eli Wallach, Jack Black, Jude Law, Kate Winslet, Rufus Sewell, Shannyn Sossamon, Miffy Englefield, Emma Pritchard, Sarah Parish, Bill Macy, Shelley Berman, Kathryn Hahn, John Krasinski
Duração: 138 min.

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