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Crítica | O Anjo Embriagado

por Luiz Santiago
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Se em Um Domingo Maravilhoso (1947), Akira Kurosawa abordou de maneira crítica e lírica a vida da população pobre no Japão pós-guerra, em O Anjo Embriagado (1948) ele voltou suas lentes para os miseráveis e para as gangues dos subúrbios, aqui representadas pela Yakuza. Se nos lembrarmos bem, o cineasta já nos trouxera a corrupção e o crime no supracitado filme de 1947, mas como este não era o tema central da fita, apareceu apenas como um integrante presente de uma cidade que se reconstruía entre crimes e esperança.

O Anjo Embriagado marca o início de uma longa parceria entre Kurosawa e Toshiro Mifune (eles fariam 16 filmes juntos), além de trazer mais uma vez o excelente Takashi Shimura, que interpreta um médico de modos pouco sutis de tratamento com as pessoas e com seus pacientes, mas que esconde sob essa aparência bruta, um homem preocupado com a saúde dos que o procuram, agindo, às vezes, como um verdadeiro pai. Mifune interpreta um integrante da Yakuza que tem tuberculose e que não consegue interromper seus vícios nem se livrar de sua atividade criminosa, o que agrava cada vez mais o seu estado de saúde. O doutor Sanada também se revela um alcoólatra, mas no decorrer do filme percebemos uma mudança dele em relação a esse comportamento.

Entre vícios e miséria, observamos o cotidiano de uma comunidade na periferia de Tóquio, filmada com primazia por Kurosawa, que usa da própria constituição do cenário para delinear a composição psicológica de suas personagens. É entre a sujeira e o mau cheiro que os personagens vivem suas vidas e estabelecem suas relações com os protagonistas da obra. Não há beleza alguma em meio a tanta insalubridade e doenças e, como um agravante, percebemos que esses indivíduos não sofrem apenas dos males do corpo, mas também dos males da alma.

A fotografia de Takeo Ito explora bastante o contraste entre o dia e a noite, o preto e o branco, lembrando, até por sua constituição criminosa, os filmes noir. Ao passo que a figura turrona de Matsunaga vai definhando, os seus “irmãos” da Yakuza arquitetam um modo de deixá-lo fora dos negócios o mais rápido possível. A indicação de uso do homem como uma peça, que quando quebrada ou defeituosa é jogada fora, aparece aqui em um contexto bastante diferente dos que geralmente aparece, e devo dizer que constitui uma ótima escolha de Kurosawa e Uekusa para o roteiro. Em resumo, a indicação de que “o crime não compensa” é posta de maneira cruel, mas como sequência de uma vida relativamente poderosa e de extorsão de comerciantes e semeadura do medo. Como se vê, não há apenas a condenação moral do crime. O roteiro problematiza a questão e convida os espectadores a refletirem sobre o contexto social em torno desse tipo de atividade.

O Anjo Embriagado foi um grande sucesso de público à época de seu lançamento, e ainda vencedor do prêmio de Melhor Filme no Kinema Junpo Awards e dos prêmios de Melhor Fotografia, Filme e Trilha Sonora no Mainichi Film Concours. Embora traga pequenas falhas em sua realização, a obra já pode ser caracterizada como o início de independência e domínio pleno de Kurosawa sobre a direção geral de seus filmes, algo que já chegaria de forma madura em Cão Danado (1949), e despontaria nas obras-primas da década seguinte.

O Anjo Embriagado (Yoidore tenshi) – Japão, 1948
Direção: Akira Kurosawa
Roteiro: Keinosuke Uekusa, Akira Kurosawa
Elenco: Takashi Shimura, Toshirô Mifune, Reisaburô Yamamoto, Michiyo Kogure, Chieko Nakakita, Noriko Sengoku, Shizuko Kasagi, Eitarô Shindô, Masao Shimizu, Taiji Tonoyama, Yoshiko Kuga, Chôko Iida
Duração: 98 min.

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