A ironia foi uma das marcas centrais do cinema experimental brasileiro na década de 1970 (mas não só), e a ironia foi o caminho escolhido pelo cineasta paulista Jairo Ferreira na maior parte de suas criações. Frequentemente associado ao Cinema Marginal (não à toa, mas sim por ter feito filmes que se enquadram no movimento), ele procurou produzir um cinema de “contatos e desafios“, ligando o público a uma temática específica através da manipulação incomum e propositalmente “ultrajante” da linguagem cinematográfica.
Aqui em O Ataque das Araras ele realiza uma viagem ao Amazonas, segundo a sinopse do filme, “acompanhando o grupo de teatro que o escritor Márcio Souza manteve em Manaus antes de se dedicar exclusivamente à literatura“. Essa visita ganha tons irônicos na narração feita pelo próprio diretor e por Carlos Reichenbach, comentando acontecimentos ligados à execução de uma peça no Teatro Amazonas (A Maravilhosa História do Sapo Tarô Bequê, de Márcio Souza), e também à presença de uma equipe de diretores japoneses que filmavam a região, subindo o Rio Negro e à outra presença, de uma equipe paulista (fala-se de Boca do Lixo e tudo!) que filmava um comercial.
Neste curta experimental, o espectador é convidado a refletir, a rir e a compartilhar a ironia através de uma exposição simples, mas ao mesmo tempo dinâmica e inesperada. Um instantâneo rápido sobre eventos em Manaus do qual o diretor tira uma triste lição cultural e sociológica. A frase que encerra o curta dá o tom geral dessa constatação: “politicamente, o Amazonas pertence ao Brasil; culturalmente não“.
O Ataque das Araras (Brasil, 1975)
Direção: Jairo Ferreira
Roteiro: Jairo Ferreira
Elenco: Jairo Ferreira, Carlos Reichenbach, Márcio Souza, Lilian Filgueiras, Fátima Andrade, Mardonio Rocha
Duração: 11 min.
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O Guru e os Guris
Encontrar uma voz que “falasse a verdade” sobre um assunto que muita gente só consegue falar com muitas reservas foi o que levou Jairo Ferreira a conversar com Maurice Legeard sobre cinema, clássicos, diretores e cineclubismo. Legeard era diretor do Clube de Cinema de Santos, um dos mais antigos do Brasil, e sua experiência com exibição e discussão de filmes junto a um público serviu para tocar a conversa que aqui passa por um grande número de tópicos relacionados à produção, políticas, qualidade e cultura popular quando se fala de cinema brasileiro.
As temáticas não são exatamente polêmicas, mas decerto são muito provocadoras. Legeard propõe alguns exercícios de percepção e valorização da nossa cinematografia, falando não só ao espectador comum, mas também (e talvez principalmente) a nós críticos e pessoas responsáveis por colocar o cinema nacional na boca do povo: “pede a qualquer cinéfilo aí… cita 10 filmes de Fritz Lang, 10 filmes de Fellini, a filmografia de Frankenstein… agora pede pra alguém citar 4 filmes de Joaquim Pedro de Andrade, 2 filmes de Paulo César Saraceni“…
A forma utilizada aqui parte do que o diretor chamava de “Cinema de Invenção”, a estética que também conhecemos como marginal, a tomada criativa que, com poucos recursos, atingia direta e intensamente os problemas que se propunha criticar. Nesse curta, Jairo Ferreira cria uma visão geral sobre preferências, divulgação, divergências teóricas e popularização do cinema, tudo através de uma opinião que, sem som sincronizado, fala como uma voz do além à medida que vemos Maurice Legeard em diversos espaços, gesticulando, lendo, fumando. Um dos curtas mais verdadeiros e provocadores para cinéfilos que eu já vi.
O Guru e os Guris (Brasil, 1973)
Direção: Jairo Ferreira
Roteiro: Jairo Ferreira
Elenco: Maurice Legeard
Duração: 11 min.
6 comentários
Oba!, nada que uma boa crítica de um filme nacional para completar esta terça feira! kkkkkkk
Eu interpretei de umas 65 formas diferentes essa frase e não sei exatamente como sentir! AHHAHAHAHHAAHHAHAHAHAHAHAH
Ainda bem que você escolheu imagens EM ALTÍSSIMA DEFINIÇÃO…
Abs,
Ritter, o 4K FULL HD.
ME DEIXA EM PAZ, DESGRAÇA!!!
Pior que isso tá me deixando bem incomodado. Só que não tem imagens em altíssima definição para esses filmes! Tive que me virar com o que encontrei de melhor! :'(
Não dá nem para ver as araras!!! EU QUERO VER AS ARARAS!!!
Abs,
Ritter, o Arara.
Tô pensando aqui se te dou ou não um spoiler…