Home FilmesCríticasCatálogos Crítica | O Beco das Almas Perdidas

Crítica | O Beco das Almas Perdidas

A ruína de um homem.

por Kevin Rick
1,8K views

Baseado no romance O Beco das Ilusões Perdidas (Nightmare Alley), de William Lindsay Gresham, O Beco das Almas Perdidas, dirigido por Edmund Goulding, acompanha a história de Stan (Tyrone Power), membro de uma feira itinerante, que trabalha como assistente da mentalista Zeena (Joan Blondell) e seu marido alcoólatra Pete (Ian Keith). A dupla chegou a ter um ato de grande sucesso por causa de um código que os dois personagens desenvolveram para fazer falsas adivinhações e conquistar o público. As ambições de Zeena e Pete acabaram quando a atenção em Zeena, especialmente de outros homens, levaram Pete a se embriagar diariamente, reduzindo sua atração a feiras de pequeno porte. Eventualmente, Zeena ensina o código para Stan, que por sua vez deixa seu pequeno ato para iniciar sua trajetória como mentalista para a elite americana, acompanhado da sua esposa e assistente Molly (Coleen Gray).

Com o sucesso de vendas do livro de Gresham, além da estrela de Tyrone Power como protagonista, a Fox injetou um grande orçamento à época, construindo uma feira itinerante completa e contratando mais de 100 atrações paralelas. O resultado é um design de produção meticuloso e simplesmente fantástico para os anos 40, adicionando autenticidade para o ambiente, desde a já citada feira de bizarrices até o espetáculo refinado na alta sociedade estadunidense. O cineasta Edmund Goulding parece ter mais habilidade visual na segunda parte, construindo o ato solo de Stan com muita elegância, planos mais abertos e encenação teatral nas apresentações do charlatão.

Nas sequências do show itinerante, no entanto, Goulding perde a oportunidade de aproveitar as atrações excêntricas – e quem sabe até um toque de horror circense -, com muitas delas acontecendo fora de tela e poucos atos mostrados para além das próprias adivinhações de Zeena e Stan. Inicialmente, me pareceu uma escolha para compor mistério, mas na verdade O Beco das Almas Perdidas se inclina bastante para a censura. Considerando a estrela heroica de Power, é compreensível que o estúdio queria se distanciar de uma estranheza do público com a persona do ator – aliás, foi Power quem insistiu no papel ambíguo. Podemos ver a mesma restrição do filme no caráter sexual sugerido, mas pouco mostrado, e na resolução dramática para o arco de ascensão e queda de Stan, que se ainda trágico, carrega um sentimento de empatia deslocado no ato final.

De muitas formas, é um filme que se “acovarda” em se aprofundar nas partes melancólicas e grotescas do enredo, procurando mais simpatia do que catarse no curto ato de decadência de Stan. Mas, novamente, são deslizes compreensíveis considerando o contexto de mercado no período, o marketing de Power e a quantidade de dinheiro em jogo – e, aliás, o longa acabou sendo um fracasso de bilheteria, posteriormente se tornando uma espécie de cult. E mesmo com essas ressalvas, O Beco das Almas Perdidas ainda contém muita coragem no tanque. Se mais empático do que necessário, Stan se mantém um personagem fascinante em sua ambição cega e falsidade cruel.

Existe uma linha narrativa sobre ganância e moralidade muito bem construída, permeada por um caráter simbólico nos seus diálogos e encenações (como as cenas de tarô e as sequência sobre o “geek” selvagem). É um filme cheio de indicativos para o desfecho ironicamente trágico de Stan, praticamente uma espécie de ciclo narrativo com a parte inicial da obra (também simbólico), então é uma história que caminha de maneira extremamente orgânica, sem desvios de curso ou grandes twists, mas sempre cativante. Aliás, é um longa envolvente em suas manipulações bem-escritas, desde as enganações de palco do charmoso Stan até o jogo psicológico da Dr Lilith Ritter (Helen Walker), personagem que aparece mais à frente na fita e adiciona camadas de dúvida e ilusão que deixam o estudo de personagem do protagonista mais rico.

O Beco das Almas Perdidas é um típico filme noir, ainda que não seja uma narrativa misteriosa e inexistente dos habituais cenários urbanos. Temos, porém, a fotografia de Lee Garnes cheia de sombras ameaçadoras (outro aspecto visual simbólico do filme e do subgênero), duas figuras femininas (uma de inocência e a outra praticamente uma femme fatale), uma peça central ambígua e, claro, uma linha narrativa embebida de cinismo. Não acho um filme realmente especial, principalmente pela simpatia inoportuna que citei, mas O Beco das Almas Perdidas é um baita estudo de personagem em seu conto sobre o custo da ambição.

O Beco das Almas Perdidas (Nightmare Alley) | EUA, 1947
Direção: Edmund Goulding
Roteiro: Jules Furthman (baseado no romance Nightmare Alley, de William Lindsay Gresham)
Elenco: Tyrone Power, Joan Blondell, Coleen Gray, Helen Walker, Taylor Holmes, Mike Mazurki, Ian Keith
Duração: 111 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais