Há algo inesperadamente terno em O Bom Bandido, filme que revisita a história real de Jeffrey Manchester, o “Roofman”, assaltante que escalava telhados de fast-foods e escapava da polícia com a mesma calma com que pedia desculpas às vítimas. Em qualquer outra leitura, seria uma história sobre esperteza, fuga e reinvenção, a típica história de bom humor criminoso que Hollywood transformaria em espetáculo (não que tenha algo errado com isso, vale pontuar). Mas o que o diretor Derek Cianfrance faz aqui (e faz surpreendentemente bem) é quebrar um pouco a expectativa de comédia para dar espaço a um bom drama de alguém fadado às suas escolhas erradas.
Desde o primeiro assalto, O Bom Bandido já sinaliza que não tem interesse em glamourizar o crime. Ao contrário do que o marketing insinuava, os momentos que o protagonista de fato faz pessoas reféns são filmados como cenas que descaracterizam o personagem, como se ele não devesse fazer aquilo. A sequência em que Jeffrey (Channing Tatum, muito bem nas transições entre alguém contido e fatigado, mas com lampejos de doçura) invade o McDonald’s não é filmada como ação, mas como observação, tanto como uma extensão da vida militar metódica, quanto de julgamento mesmo. Existem momentos de bom humor nas várias sequências de Jeff se aproveitando da sua estadia em uma loja, mas de maneira geral é uma narrativa que pesa mais no drama.
O filme se encontra nessa contradição dramática entre o carisma do personagem e seu caráter duvidoso (o mote do criminoso bonzinho é velho, mas funciona bem aqui). A parte inicial serve de estabelecimento de Jeffrey, um homem treinado para sobreviver em guerra, mas que descobre que o pós-guerra é uma outra forma de exílio, como tantos outros soldados. O trabalho, o casamento e a paternidade lhe escapam por entre os dedos. O exército o ensinou a observar padrões e é justamente essa habilidade que ele usa para sobreviver fora da lei. A ironia está no talento que deveria garantir estabilidade se tornando a ferramenta de sua queda.
Obviamente que há um romantismo nos gestos de Jeffrey, mas o texto não se desvia do autoengano persistente, de alguém que poderia ser um pai e um marido, mas que só consegue ser o clichê do ladrão gentil. O segundo ato, ambientado quase integralmente dentro de um Toys “R” Us, é o coração do filme. O esconderijo dentro da parede, o uso dos monitores e as rondas noturnas entre corredores de brinquedos formam um microcosmo divertido, como se o personagem tivesse entrado num limbo onde infância e delinquência se misturam. O espaço funciona como metáfora perfeita: uma prisão colorida, repleta de símbolos de inocência, que afloram o lado pueril de Jeff, mas que também não negam seus impulsos criminosos.
O disfarce como John Zorn, a relação com Leigh (Kirsten Dunst) e o vínculo com as filhas dela dão à narrativa um tom de comédia romântica quebrada, onde o espectador sabe que o idílio não pode durar. Ainda assim, há algo genuíno na ternura de Jeffrey. Ele acredita ou precisa acreditar que é possível começar de novo. O filme nos faz desejar o mesmo, mesmo sabendo que ele está condenado.
O diretor tem o mérito de filmar essa convivência com uma delicadeza simpática. O amor entre Jeffrey e Leigh nasce da mentira, mas não é falso. É um amor intermediário, feito de brechas. O contraste entre o cotidiano banal da relação e o absurdo da situação dá ao filme uma textura inesperadamente trágica. Quando Jeffrey ajusta o horário de trabalho de Leigh no computador para que ela tenha mais tempo com as filhas, o gesto é ao mesmo tempo doce e invasivo, protetor e criminoso.
A partir daí, a obra assume um tom de inevitabilidade. O último terço é menos um suspense sobre captura e mais um processo de esgotamento. Jeffrey começa a perder a precisão dos movimentos e a narrativa se encaminha para sua fatídica prisão, mesmo a contragosto da audiência. O confronto final com Leigh e a polícia é o desfecho lógico de um personagem que nunca aprendeu a se entregar. Meus principais pontos negativos são o mal uso do elenco coadjuvante de luxo, com exceção de Dunst, e acho que a obra poderia ter sido menor, não acredito que havia necessidade de duas horas de filme para uma trama tão simples.
O Bom Bandido é um grande clichê do criminoso gentil, mas é surpreendentemente sentimental. De certa forma, fui um pouco enganado pelo marketing, que vendia uma obra mais puxada para a comédia farsesca se aproveitando da absurda história real, mas o engano aqui é positivo. Mesmo não sendo uma produção de grandes arroubos emocionais ou narrativos, é uma trama bem contada dentro de suas convenções, sabendo como jogar bolas curvas entre o bom humor da situação e o drama do protagonista fadado a falhar.
O Bom Bandido (Roofman) – EUA, 2025
Direção: Derek Cianfrance
Roteiro: Derek Cianfrance, Kirt Gunn
Elenco: Channing Tatum, Kirsten Dunst, Ben Mendelsohn, LaKeith Stanfield, Juno Temple, Melonie Diaz, Uzo Aduba, Lily Collias, Jimmy O. Yang, Peter Dinklage
Duração: 126 min.