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Crítica | O Caçador (Parker #1), de Richard Stark

Rotina violentamente interrompida.

por Ritter Fan
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Diversos autores escreveram e escrevem sob pseudônimos pelas mais variadas razões. Agatha Christie escreveu sob o nome Mary Westmacott de forma a alterar o gênero de alguns de seus romances de mistério para histórias de amor. Isaac Asimov escreveu como Paul French quando pediram para ele criar uma história juvenil de ficção científica para ser adaptada para a TV que ele tinha receio que ficasse ruim. Patricia Highsmith criou como Claire Morgan para evitar que seu romance lésbico afetasse as vendas de seus thrillers psicológicos. J.K. Rowling criou o pseudônimo Robert Galbraith para poder publicar livros sem que seu famoso nome influenciasse nas vendas. Stephen King publicou muita coisa sob o nome Richard Bachmann para evitar a saturação de sua “marca”. Os exemplos são infindáveis.

Mas eu desconheço alguém que tenha usado tantos pseudônimos quanto o autor americano Donald E. Westlake. Aliás, ele começou sua carreira de escritor com obras eróticas sob o nome Alan Marshall, em 1959, e, mesmo depois tendo usado seu nome real em diversas outras obras de gêneros diferentes, ele nunca mais deixou de criar outros nomes da mesma maneira que gravadoras criam selos especializados. Foram quase 20 nomes diferentes durante toda sua prolífica carreira, com Richard Stark sendo, provavelmente, o mais notório deles em razão da série de 24 livros protagonizados pelo violento ladrão conhecido apenas como Parker.

O Caçador, de 1962, foi o primeiro romance da série de Westlake assinando como Stark e, nele, somos apresentados a Parker em uma história já iniciada, com o protagonista “retornando à vida”, depois de ser traído por seus comparsas em um roubo. Inicia-se, então, uma história essencialmente de vingança, em que ele retorna para sua esposa Lynn – que o baleara! – e, a partir dela, começa a galgar a escada para lidar com a pessoa responsável por todas as suas agruras, Mal, uma espécie de “diretor regional” do crime organizado de Nova York que, neste universo literário, tem o nome The Outfit, mas também é chamado de Sindicato ou, simplesmente, de Organização, o que, claro, cria uma camada de dificuldade para as intenções do protagonista.

O estilo narrativo do autor para os livros dessa série é o mais econômico e direto possível, algo que O Caçador já estabelece nas primeiras páginas. Não há nenhuma preocupação por parte de Westlake/Stark em descrever ambientes, sensações, sentimentos ou, até mesmo, em desenvolver personagens. Os coadjuvantes são só mesmo coadjuvantes rotulados de acordo com sua função dentro da história – a mulher traidora, o bandido sem honra, o chefão do crime e assim por diante – e o próprio Parker é, apenas, um ladrão traído que corre atrás do prejuízo. E isso, de forma alguma, é um aspecto negativo do romance, apenas uma escolha deliberada de seu autor, emprestando à sua escrita o mesmo tipo de crueza, rispidez e economia que o protagonista apresenta como características principais de sua personalidade. Confesso, porém, que por vezes senti falta de um desenvolvimento maior aqui e ali, mesmo compreendendo o objetivo central dessa escolha.

O Caçador também estabelece algumas “regras” que, de uma maneira ou de outra, marcariam todos os volumes da série (estou apenas no quarto no momento em que escrevo a crítica, mas é o que parece): Parker é traído ou quase traído e tem que lidar com as consequências do evento de maneira violenta, com a narrativa valendo-se essencialmente de seu ponto de vista para contar a história, ainda que por vezes ele seja trocado por outros personagens de forma que o autor possa, então, fazer uso de uma espécie de flashback em que vemos como Parker chegou ao momento de convergência. É, de certa forma, uma narrativa levemente não-linear que cria oportunidades para suspense e surpresas.

Talvez o mais interessante em Parker não seja nem a eficiência com que lida com seus desafetos, mas sim seu código e seu estilo de vida. Tudo o que ele fazia antes de ser traído – todos os seus roubos, quero dizer – tinha como objetivo obter dinheiro suficiente para permitir-lhe viver bem debaixo do radar das autoridades, normalmente em resorts pelos EUA,  sem grandes luxos. A traição, que marca o começo do romance e serve de estopim para todos os primeiros romances da saga – os três primeiros, aliás, contam uma história única, lidando com o envolvimento de Parker com a Organização -, é, também, uma interrupção no estilo de vida de Parker e é isso que o deixa mais irritado. Sua esposa ter atirado nele não é o maior problema, portanto, mas sim ele ter que andar vários passos para trás para poder, então, voltar a fazer o que fazia com toda a “paz” que ele prezava.

Essa abordagem, diria, é que torna Parker realmente peculiar. Apesar de ele ser um ladrão e o autor não fazer muita questão de torná-lo simpático de maneira a tornar fácil que o leitor realmente goste dele, a quebra brusca de uma rotina agradável é algo que todo mundo consegue se conectar e Westlake/Stark usa esse aspecto como trampolim para as aventuras de Parker, transformando-o – se pudermos esquecer momentaneamente que ele é um fora-da-lei – em uma pessoa que deseja, mais do que tudo, retornar ao que ele era antes. O fato de ele ter que torturar e matar para alcançar seu objetivo é que cria o recheio “colorido” da história que vemos neste primeiro livro da série, sempre lembrando que, por se tratar de uma obra de sua época, há evidentes características em Parker que não estão de acordo com as sensibilidades modernas (confesso que só de eu ter que escrever isso já me irrita, pois é uma obviedade tão grande…).

O Caçador é um ótimo exemplar de thriller de crime que entrega exatamente – nunca mais, nunca menos – do que promete. Se eu quiser ser chato, é quase que subliteratura, mas em um sentido positivo da palavra, se é que eu posso caracterizar desta forma. Westlake, “vestindo” sua persona Richard Stark, escreve exclusivamente o essencial, focando na ação e no planejamento da ação e entregando uma obra de leitura fácil, divertida (ou divertidamente violenta) e que não exige absolutamente nada do leitor a não ser a virada de páginas, mas é sempre importante lembrarmos de que escrever o básico de maneira eficiente não é, de forma alguma, algo fácil. Além disso, às vezes simplicidade e objetividade com qualidade é tudo o que precisamos de uma leitura, não é mesmo?

O Caçador (The Hunter – EUA, 1962)
Autor: Richard Stark (pseudônimo de Donald E. Westlake)
Editora: Perma Books
Data original de publicação: 1962
Páginas: 222

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