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Crítica | O Cavalo de Turim

por Luiz Santiago
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Poderíamos classificar o último filme de Béla Tarr, O Cavalo de Turim, como mais uma das películas deste ano (2011) que sinalizam a destruição da humanidade, o ponto final de um período, ou a destruição do que existe para um futuro pouco animador. A onda das “Gêneses e Apocalipses de 2011” ganhou forças com A Árvore da Vida, a viagem imagética de Terrence Malick sobre o espírito teológico que pontua a criação humana, mas que, apesar da colocação religiosa, ressalta o darwinismo em detrimento do criacionismo — pelo menos em tese. O segundo momento veio com Lars Von Trier, mais ousado e catastrófico, com o estupendo Melancolia, que traz a extinção da raça humana e a destruição do planeta. Mais ou menos no mesmo caminho veio Mike Cahill, com o seu A Outra Terra, filme que fala da descoberta de um planeta que é um espelho – em composição e habitação –, do nosso planeta, gerando toda uma fuga existencial para centenas de milhares de habitantes.

O Cavalo de Turim indica, dentre outras coisas e numa trilha de concepção que nos lembra os filmes citados anteriormente, o fim da Civilização como a vemos. Com um prólogo sobre um episódio da vida de Nietzsche, somos arrastados para duas horas e meia de um filme com duas personagens principais, pai e filha, mais um cavalo que definha aos poucos, em uma casa isolada e fustigada por uma tormenta arrasadora. O vasto material para análise está lá e é composto de elementos bíblicos e seculares: os seis dias, os ciganos, o vizinho que noticia “o fim da ‘cidade’ onde ‘eles’ estavam”, o poço que seca, o cavalo que não quer comer, a luz que acaba, a tormenta que finda-se subitamente, o fastio do pai e da filha, o silêncio mortal. Acompanhado pela poderosa música de Mihály Vig, o tempo se arrasta e vemos toda a liturgia doméstica cotidiana nos indicar inúmeros significados para aquilo que assistimos.

Mas à parte o sentido crítico do filme e a inegável perfeição com que Béla Tarr e a co-diretora Ágnes Hranitzky realizam o filme, a obra é inacessível. É preciso muitíssimo boa vontade para acompanhar a penosa repetição dos dias e das atividades na casa. A simpatia do espectador para com o filme está na sua relação com o estilo minimalista, peculiar do diretor húngaro, ou seja, entre o símbolo, o enigma, a razão e a humanização, é preferível ser o mais passional possível, mergulhar como o Ser nietzschiano nesse eterno retorno, para que se possa apreciar a obra com louvor.

Dito isto, resta pouco de material empírico no produto para comentar. O que realmente vale é a impecável câmera de Tarr e a edição milimétrica de Ágnes Hranitzky. Se a perfeição existe de modo inquestionável no plano técnico, o mesmo não se pode dizer do enredo do filme, que gera uma obra entregue gratuitamente à psicologia e humanização do espectador, atitude que considero uma entrega solta demais no cinema.

Mesmo assim, não podemos dizer que O Cavalo de Turim é um filme para se esquecer ou não ser visto. Longe disso. Mas trata-se de uma obra que, despida da aura dourada com a qual revestem o diretor, estaciona na média aceitável dos filmes que são apenas bons tecnicamente e nada mais. A histórica carrega um muro consigo. O que é ótimo mesmo é um trecho de A Gaia Ciência, obra de Nietzsche que poderia constar como cartilha para se entender o espírito de construção utilizado em O Cavalo de Turim: “Esta vida, assim como tu a vives agora e como a viste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e cada suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de se retornar, e tudo na mesma ordem e sequência…” […].

O Cavalo de Turim (A Torinói Ió, Hungria, França, Alemanha, Suíça, EUA, 2011)
Direção: Béla Tarr e Ágnes Hranitzky
Roteiro: László Krasznahorkai e Béla Tarr
Elenco: János Derzsi, Erika Bók, Mihály Kormos, Ricsi, Mihály Ráday
Duração: 146min

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