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Crítica | O Chinês Americano

A busca pela identidade.

por Ritter Fan
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Identidade, pertencimento, preconceito, imigração e autoestima são apenas alguns dos temas trabalhados na belíssima e parcialmente autobiográfica graphic novel O Chinês Americano, do roteirista e desenhista americano de ascendência chinesa Gene Luen Yang que, em relativamente poucas páginas e usando um formato que parece subutilizar o espaço gráfico, conta três histórias alternadas que, inicialmente, não parecem ter ligações para além de envolver personagens chineses, mas que ganham uma belíssima e orgânica costura ao final. Sua obra até por vezes pode parecer infanto-juvenil e até mesmo infantil, mas a grande verdade é que essa escolha deliberada faz a HQ conversar universalmente e em diferentes camadas de complexidade com um público de todas as idades.

A primeira história narra a jornada de Sun Wukong, mais conhecido como o Rei Macaco, e bebe generosamente da literatura clássica chinesa, notadamente de Jornada ao Oeste, do século XVI, além da mitologia daquele país. Nela, vemos um jovem símio que, estudando profundamente o kung-fu, passa a dominar uma série de poderes, tornando-se rei e desejando participar de uma festa que só deuses são convidados. A segunda história, ao revés, tem os pés no chão e, galgada na realidade do autor, conta a história de Jin Wang filho de imigrantes chineses nascidos nos EUA que luta para se adaptar a um ambiente em que ele é apenas um de dois alunos de ascendência oriental, tarefa essa que é dificultada pela chegada de Wei-Chen, imigrante taiwanês que, em sua cabeça, só lhe envergonha por seus hábitos ainda muito conectados com seu país de origem. Finalmente, na terceira história, que é contada como se fosse uma sitcom com direito até a claque de aplausos, vemos o jovem americano (e de feições ocidentais) Danny tendo que conviver com seu primo Chin-Kee que é o estereótipo negativo do chinês, com direito a pele amarela, dentões, olhos muito puxados, sotaque carregado e figurino típico.

A intercalação das histórias é uma jogada de mestre, pois, sub-repticiamente, Yang faz com que elas lentamente sirvam de comentário uma em relação a outra, até chegar ao ponto em que o leitor compreende perfeitamente o porquê dessa escolha e como cada personagem luta para negar aquilo que, aos olhos dos outros, é mal visto, com o Rei Macaco negando que é um símio, Jin Wang negando sua ascendência oriental e Danny negando sua conexão com o primo. São histórias que falam sobre a mesma coisa, mas com alegorias diferentes que acabam se fundindo, ao final, como em um passe de mágica nada forçado, em uma coisa só repleta de mensagens importantes, especialmente a busca pela identidade em um ambiente como homogeneidade que torna essa jornada uma verdadeira luta para mostrar que ser diferente faz parte da diversidade mundial e isso não pode ser visto como um aspecto negativo e desvantajoso.

É bem verdade que esse diálogo, em 2023, já está, ainda bem, muito mais desenvolvido e explorado do que em 2006, quando a graphic novel – quase pioneira no assunto – foi lançada, mas isso não a torna menos relevante e menos incisiva. Se é possível rechaçar o dilema do Rei Macaco como algo que faz parte da fantasia literária criada há séculos, o mesmo não cabe em relação a Jin Wang. É doloroso ver um jovem fazer das tripas coração para afastar-se de tudo aquilo que se refere à sua etnia, à cultura de seus pais e a seus gostos pessoais e, então, encaixar-se na estrutura rígida de uma sociedade que rejeita o diferente ou que, no mínimo, rejeita o diferente que não faz esforço para tentar – sempre tentar – ser igual a todos os demais.

Com uma arte simples, mas muito bonita e, mais do que isso, eficiente na forma como transmite visualmente suas mensagens, algo que vai desde a postura de Jin Wang em contraste com a de Wei-Chen até a abordagem cômica – que Yang faz questão de torná-la engraçada justamente para que sintamos culpa em rir por claramente enxergar seu objetivo por trás – de Chin-Kee. Da mesma maneira, a economia de páginas é um primor, especialmente porque a estrutura de estilo livre mas que acompanha o que poderiam ser tiras de jornal modernas diminui ainda mais o espaço para Yang trabalhar, mas mesmo assim tudo funciona às mil maravilhas, tornando a história simples o suficiente para uma criança, sem perder as nuanças mais complexas voltadas ao público mais maduro.

O Chinês Americano é, no final das contas, um mais do que eficiente manual sobre o choque de culturas e como lidar com ele sem, de um lado, perder seu legado e, de outro, sem isolar-se em meio a tantos iguais entre si. Trata-se de uma obra essencial que navega exemplar e respeitosamente entre culturas denunciando comportamentos, mas, ao mesmo tempo, indicando caminhos que podem e deveriam ser tomados por todos os envolvidos em um processo que deveria levar ao respeito mútuo e à aceitação de tudo e de todos, mesmo que saibamos que ainda estamos longe de chegar a esse ponto.

O Chinês Americano (American Born Chinese – EUA, 2006)
Roteiro: Gene Luen Yang
Arte: Gene Luen Yang
Editora original: First Second Books
Data original de publicação: 2006
Editora no Brasil: Companhia das Letras (Quadrinhos na Cia)
Data de publicação no Brasil: 21 de maio de 2009
Páginas: 244

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