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Crítica | O Clã das Adagas Voadoras

por Rodrigo Pereira
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Em 859 a.C., a China vive um momento turbulento quando a dinastia Tang, envolta em corrupção, não consegue mais trazer prosperidade ao país. Em meio a este cenário de incertezas, uma aliança secreta encontra-se em embate direto com o governo e ganha cada vez mais apoio popular. Com a rivalidade crescente entre império e aliança, dois capitães são designados a observar uma dançarina, suspeita de ser uma espiã do grupo disposto a ruir a soberania do imperador, mas podem botar tudo a perder pelo crescente interesse de ambos na mulher. Este é o enredo de O Clã das Adagas Voadoras.

Dirigido por Zhang Yimou, o filme, apesar de possuir diversas cenas de luta das mais variadas, utiliza o combate como pano de fundo para contar a trama amorosa entre Mei (Zhang Ziyi), a dançarina, e Jin (Takeshi Kaneshiro) e Leo (Andy Lau), os capitães. Todo o desdobramento dos acontecimentos da guerra que não tenha interesse direto com a situação das três personagens não tem qualquer menção ao longo das quase duas horas da fita, algo que faz todo sentido quando observamos outros elementos da obra.

As cores, por exemplo, talvez sejam o que melhor dialoga com a história. Assim como em Herói e outros de seus trabalhos, Yimou utiliza cores muito fortes e vivas, com destaque especial para o verde. Essa é a cor utilizada tanto pelos agentes do governo quanto pelos integrantes do clã, sendo um tom mais escuro para o primeiro grupo e um mais vibrante para o segundo. Aqui, mesmo com congregações antagônicas, o realizador faz uso da mesma cor para marcar que não existem grandes diferenças de lado caso você seja mais um dos que vai para a guerra. Será, como vemos Jin verbalizar em determinado momento, somente mais um peão no tabuleiro de xadrez da disputa entre os líderes de cada grupo. Não à toa, a direção não mostra nenhum soldado do exército imperial com cargo superior a de um capitão, assim como a única aparição da líder dos Adagas Voadoras é à distância, em meio a uma selva de bambus da mesma cor de suas vestes e com um chapéu que esconde seu rosto. É como se o diretor criticasse o conceito da guerra, onde pessoas comuns costumam lutar enquanto os verdadeiros responsáveis ficam distantes e protegidos dos perigos.

Inclusive, é interessante perceber como os cenários são mais do que meramente locais para desenrolar da trama ou das batalhas. As florestas, por exemplo, são usadas para momentos de conspiração, como quando vemos Jin e Leo se encontrarem escondidos para decidirem os próximos passos do plano. Os numerosos troncos e a vegetação dão a impressão de um local secreto e de difícil acesso, perfeito para esse tipo de conversa. Da mesma forma que Yimou, quando vemos Jin em meio a algum dilema, utiliza os troncos para passar a impressão de um muro intransponível, obrigando a personagem a tomar uma decisão. Por outro lado, os campos abertos e de vegetação rasteira, passando a impressão oposta às florestas, são o palco para momentos decisivos no complicado caso de amor, onde ocorrem revelações de todas as partes.

Outro ponto que gostaria de destacar diz respeito à forma como as lutas são enxergadas pelo cineasta. Assim como em outros de seus filmes, Yimou tem uma percepção artística do combate e emprega isso com maestria em suas obras. Além do já citado Herói, vemos a repetição dessa abordagem em O Clã das Adagas Voadoras, tal qual em Shadow, um dos seus filmes mais recentes. Talvez a sequência que melhor expresse isso ocorra ainda no começo da projeção, quando um dos capitães começa a espionar Mei. Após uma apresentação de dança, Mei vê-se obrigada a lutar para evitar ser presa e boa parte dos seus movimentos são os mesmos que realizou enquanto dançava, do mesmo jeito que usa o figurino de dançarina para atacar e defender. Aliás, a luta entre ela e um dos capitães se assemelha muito a uma dança entre um casal, reforçando mais uma vez a maneira como o diretor enxerga o confronto.

Apesar do aparente enredo sobre guerra, O Clã das Adagas Voadoras é muito mais sobre o desenrolar do interesse amoroso entre três pessoas. A batalha serve como um meio para chegar ao tema referido, onde a direção demonstra sua aversão ao conflito através do desenrolar trágico da trama. Prova disso é a cena final, com o campo tomado pela neve e, obviamente, pela cor branca. Com cenários tão coloridos ao longo de toda projeção, o branco marca o esvaziamento da vida e dos sentimentos, como um prenúncio para a tragédia. São as vidas de pessoas, com suas histórias e relações, sendo descartadas como se estivessem em um jogo. Exatamente como peças em um tabuleiro de xadrez.

O Clã das Adagas Voadoras (Shi mian mai fu) – China, Hong Kong, 2004 
Direção: Zhang Yimou
Roteiro: Feng Li, Bin Wang, Zhang Yimou
Elenco: Takeshi Kaneshiro, Andy Lau, Zhang Ziyi, Song Dandan, Zhao Hongfei, Guo Jun, Zhang Shu, Wang Jiusheng, Zhang Zhengyong, Wang Yong-Xin, Liu Dong, Zi Qi, Qu Xue-Dong, Yang Guang, Wen Yang, Zheng Xiao-Dong, Suki Wong
Duração: 119 min.

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