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Crítica | O Colecionador de Almas

Um slasher no deserto africano.

por Iann Jeliel
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O Colecionador de Almas

Uma mistura de várias propostas familiares diferentes com um toque de originalidade ao juntá-las dentro de uma ambientação exótica, O Colecionador de Almas é um slasher movie com toques de sobrenatural, conduzidas por um suspense policial em uma atmosfera de faroeste. O assassino conhecido como Dust Devil (Robert John Burke) – título original do filme e expressão americana referindo-se àqueles redemoinhos de areia – é uma entidade folclórica local que pode assumir diversas formas, mas geralmente assume uma semelhante a um pistoleiro “homem sem nome”, vagando imensidão desértica da Namíbia à procura de almas perdidas e sem rumo nas estradas. A protagonista Wendy (Chelsea Field) seria uma dessas vítimas. Ao pegar a estrada empoeirada na tentativa de fugir do marido abusivo Mark (Rufus Swart), Wendy se depara com o espírito lhe pedindo carona, enquanto o amante a persegue e um policial chamado Joe (John Matshikiza) rastreia o paradeiro da lenda, ao pegar o caso de sua última vítima.

Pela premissa, locação e escolha de personagens para conduzir a história, dá para perceber a riqueza do material montado por Richard Stanley, em seu segundo longa-metragem. Infelizmente essas ideias promissoras em seu texto acabam não sendo tão bem correspondidas em imagem e desenvolvimento. Até existe imersão transmitida pela fotografia extremamente amarelada/avermelhada e na trilha sonora que remete a westerns spaghetti, como condutores dimensionais ao teor inóspito do deserto, à hostilidade de seu clima e o suspense por trás da sua mística onírica, quase apocalíptica. No entanto, a direção irregular do cineasta acaba não convertendo esse clima criado por estes recursos de maneira bem construída aos vários núcleos da fragmentada narrativa. Falta desenvolvimento isolado de cada parte, além de substância temática.

Dava muito para se explorar o contexto cultural africano através de uma trama investigativa sobrenatural conduzida por um policial negro e cético. Contudo, o explorar da mitologia local acaba virando um detalhe em segundo plano, sobreposto pelo seu drama pessoal, bem costumeiro. Aquela velha história dele ter um trauma que se conecta com sua obsessão em concluir o caso. Já as conexões entre Wendy e o encontro com a figura fantasmagórica soam mais interessantes, pois se espelham em seu relacionamento abusivo, sem precisar desenvolvê-lo com o abusador. Ele ganha seu núcleo isolado apenas para auxiliar a contextualização da esposa como clássica figura de final girl e trazer um pouco do atrito racial da região sul-africana. Pena que isso seja pouco aproveitado, assim como pouco verificamos as proezas do assassino.

O Colecionador de Almas precisava mais da sua parte slasher em seu meio super arrastado. Entendo não focar em outros assassinatos, desenvolvendo somente o mesmo grupo de personagens, para fortalecer a convergência quando todo mundo se encontra no clímax, além criar tensão no mistério das intenções do monstro. Nesse sentido funciona. Tanto que os últimos trinta minutos, ao lado dos primeiros dez – que mostram Dust Devil matando sua primeira vítima –, acabam sendo os momentos mais fortes do filme, os mais viscerais. Falta o mesmo estímulo na ligação entre esse começo e fim. Ele poderia vir, em crescente, da parte investigativa, solucionando casos semelhantes ao primeiro assassinato até a chegada do principal e presente, ou mesmo no enfoque maior da perspectiva do mito de início. Por mais que isso diminuísse a força do mistério sobre seu entorno, criado pela parte investigativa, acabaria sendo uma solução se levado para potencializar o histórico pessoal do policial com a lenda mencionado – além de se alinhar com o didatismo das “narrações em off” inseridas entre as transições dos enredos.

Sei que isso tornaria a narrativa mais convencional, sendo o maior charme da produção sul-africana é apresentar mistura não convencional de gêneros distintos. Contudo, a forma pouco amarrada desses gêneros em uma unidade constantemente envolvente, acabam trazendo sentimento parecido com assistir algo que é convencional. Que a proposta fosse primordialmente pensada nesse equilíbrio entre o diferente e o acessível. E diria que foi, pelo menos na intenção de Richard Stanley – que já havia feito o primeiro filme em Hollywood, ou seja, ele tinha essa linguagem –, mas acabou sendo um processo prejudicado pela montagem e alterações do estúdio, gerando problemas refletidos nas demais versões (de cinema, do diretor e sem cortes/censura), incluindo o corte final (o que assisti, e é vendido como o original). Apesar disso, O Colecionador de Almas apresenta méritos e conceitos únicos que justificam o rótulo de “clássico cult”. Um filme que merece ser redescoberto e um dia, quem sabe, refilmado para que seu potencial seja completamente usufruído.

O Colecionador de Almas (Dust Devil | África do Sul – Reino Unido – Irlanda do Norte, 1992)
Direção: Richard Stanley
Roteiro: Richard Stanley
Elenco: Robert John Burke, Chelsea Field, Zakes Mokae, John Matshikiza, Rufus Swart, William Hootkins, Terry Norton, Russell Copley, Andre Odendaal, Luke Cornell, Phillip Henn, Peter Hallr, Robert Stevenson, Stephen Earnhart, Marianne Sägebrecht
Duração: 108 minutos (corte final) – 91 minutos (versão de cinema)

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