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Crítica | O Crime da Gávea

por Leonardo Campos
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Um exemplar que não é exatamente aterrorizante para ser compreendido como parte da ascensão do terror no cinema nacional, mas que dialoga com traços macabros da instável e perversa mente humana. Assim é O Crime da Gávea, produção dirigida por André Warwar, cineasta que se baseia no roteiro escrito por Marcílio Moraes, também autor do romance homônimo publicado em 2003, obra que funciona como ponto de partida para esse suspense policial com toques constantes da perspectiva narrativa noir clássica, isto é, personagens dúbios, clima angustiante, direção de fotografia nublada e outros elementos tortuosos que deixam o espectador o tempo inteiro com a sensação de que há algo de muito errado na condução do cotidiano dos personagens que trafegam pela história breve, contada em 78 minutos. Lançado em 2017, o filme é mais um dos investimentos do nosso cinema no âmbito das tramas misteriosas, com toques tão macabros que até beiram ao clima sobrenatural que aqui, de fato, não está presente, pois estamos lidando com o lado tenebroso do ser humano em instâncias de puro realismo. Produções assim ganham sempre o meu destaque pelo fato de se apresentarem como uma escolha menos comum em nossa cinematografia.

Moraes, responsável pelo texto, emula o clima de As Noivas de Copacabana, famosa série da Rede Globo, exibida ainda na primeira metade da década de 1990, produção que tratou da psicopatia pelo viés realista, mas com doses generosas de mistério e horror social que a sensação era a de estarmos diante de um fidedigno terror, haja vista o comportamento sangrento, violento e psicótico do antagonista de Miguel Fallabella. Em O Crime da Gávea, o território carioca é palco para o espetáculo de violência e morte desta história que é interessante, mas perde a oportunidade de ser excelente para se tornar apenas boa, ou, se pensarmos com mais rigidez, regular. Não é de hoje que se discute a necessidade de investir melhor na direção de elenco em nosso cinema, saindo da perspectiva televisiva novelística e do estilo teatral de encenação para uma abordagem cinematográfica dos desempenhos dramáticos. Aqui, temos personagens em posição de vilão, trabalhados em torno da caricatura, além do elenco central, em sua totalidade, desequilibrado na atuação. Não estão ruins, apenas inadequados para cinema.

O desempenho de Celso Taddei, interprete do detetive Afrânio, um personagem importante para o desenvolvimento da história, é o ponto principal desta “reclamação”. Caso fosse uma questão resolvida, os resultados seriam mais satisfatórios. Vamos, então, nos ater ao que se tem para analisar. Construída por meio de um clima sombrio, O Crime da Gávea é uma narrativa com poucas figuras ficcionais. O foco central é Paulo (Ricardo Duque), talvez o melhor personagem em cena, o que justifica o seu protagonismo. Certo dia, ele chega em casa e encontra a sua esposa, Fabiana (Aline Fanju), assassinada. Ao lado do cadáver, a filha permanece como testemunha intacta. Sem nada roubado, a polícia começa a investigar e o viúvo torna-se o principal suspeito. Quem e por qual motivo Fabiana foi morta? Essa é a pergunta que permeia essa trama cheia de reviravoltas, idas e vindas que remontam a um quebra-cabeça, suspense tradicional que impõe algumas estratégias menos convencionais e no final do processo, acaba criando uma ideia de complexidade que inexiste na história. Isso, por sua vez, não significa que o filme seja ruim.

Apenas não é tão sofisticado quanto parece, pois a confusão que se faz na verdade torna-se relativamente dispersiva para o espectador que quer se envolver mais com o conteúdo. Com frases de Heráclito a permear toda a estrutura do filme, O Crime da Gávea nos apresenta um homem a vagar por respostas sobre o assassinato de sua esposa, nos deixando, inclusive, sem saber se ele de fato pode ou não ser considerado, coerentemente, o principal suspeito. Acompanhados pela condução musical de Pedro Sodré, Lucas Marcier e Fabiano Krieger, nós observamos as ações duvidosas da polícia, puro horror, além das investidas da femme fatale Elisa, interpretada por Simone Spoladore, colega de trabalho do protagonista, amante do homem que de uma hora para a outra, se tornou suspeito de um abominável crime violento ocorrido no Rio de Janeiro, nas imediações da Pedra da Gávea. Com fluxo de consciência trazido da literatura para o suporte cinematográfico, o recurso permite a intrusão de ambiguidades, contradições e transforma o filme num produto de entretenimento possível de se assistir sem tédio, mas que infelizmente, desperdiça todo o potencial, deixando de ser ótimo, como já mencionado, para ser apenas “ok”.

O Crime da Gávea  — Brasil, 2016
Direção: André Warwar, Márcio Melges
Roteiro: Marcílio Moraes
Elenco: Ricardo Duque, Aline Fanju, Almir Telles, Celso Taddei, Roberto Birindelli, Silvio Guindane, Simone Spoladore, Tessy Callado
Duração: 90 min.

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