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Crítica | O Demônio da Argélia (Pépé Le Moko)

por Gabriel Zupiroli
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Em certa cena de O Demônio da Argélia, Pépé, o protagonista, tomado por um delírio súbito e passional, envereda-se pelas ruas de Casbah, a grande e confusa região de Argel que comporta as camadas pobres da sociedade, em busca de um amor que o corrói e que confronta sua condição de exílio. Enquanto avança, a câmera se fixa em seu rosto delirante, com o cenário dos becos de Casbah flutuando quase que magicamente ao fundo. Assim Julien Duvivier escolhe representar a insuportável condição de seu personagem no limite: como se estivesse perdido em um cenário onírico, desfigurado, que apenas ecoa as confusões de si mesmo.

O Demônio da Argélia apresenta a história de Pépé le Moko, um foragido da justiça francesa que, após se encontrar sem quaisquer outros recursos para sobreviver, esconde-se no labirinto de Casbah, na capital do país norte-africano. Com a polícia em seu rastro, Pépé lida simultaneamente com diversas problemáticas que surgem, como sua condição de exílio, sua sobrevivência, sua insatisfação e uma mulher que aparece e lhe encanta, remetendo aos charmes de sua distante França.

Duvivier constrói uma trama detetivesca nos moldes “clássicos”, desenhando o filme para inferir não apenas o tradicional jogo de polícia e ladrão, mas para alimentar a figura de Pépé como um indivíduo à parte daquele esquema, que comporta suas próprias particularidades em uma figura inteligente, sedutora e aberta às tentações. E é justamente sobre essa personalidade que constrói todo um discurso que se articula para evidenciar as relações entre existir e estar fora de si mesmo. Pépé representa o indivíduo deslocado, subjugado, como último refúgio, às terras coloniais francesas – cujo problema latente já era discutido na época. É neste personagem fragmentado que se deposita toda a visão do autor sobre os embaraços que conectam aquele sujeito com seu passado, com o delírio de seu existir no momento.

É assim que encena de maneira inteligente. Duvivier constrói Casbah como um lugar despersonalizado, um labirinto de diferentes etnias que se dialogam em prol de uma vivência comum: aquela que procura se desgarrar da opressão. O local passa a existir quase como uma entidade própria, onde sua força conjunta surge de suas próprias partes. A fragmentação da imagem, ou seja, a tentativa de despersonalizar o lugar através de seus milhares de becos contrasta justamente com uma intimidade latente de cada porta, onde cada indivíduo representa algo em vias de formar um todo. E esse todo se une em prol da figura que surge com certos ares de Robin Hood moderado, Pépé.

Caso não se debruçasse tanto em fomentar um romance que aparece mais como escape do que como complemento da condição, O Demônio da Argélia poderia ser um grande filme de densidade imagética e psicológica estonteante. Entretanto, deixa-se levar – até com um ar “leve” – para caminhos que enveredam por campos já estabelecidos, sem muito a acrescentar àquela profundidade esmiuçada. O que sobra, são os detalhes e uma enorme potência para a cena final. Um bom filme, mas que poderia ser mais.

O Demônio da Argélia (Pépé le Moko) – França, 1937
Direção: Julien Duvivier
Roteiro: Julien Duvivier, Henri La Barthe, Jacques Constant, Henri Jeanson
Elenco: Jean Gabin, Gabriel Gabrio, Line Noro, Mireille Balin, Fernand Charpin, Lucas Gridoux
Duração: 94 min.

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