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Crítica | O Destino do Poseidon

Bem pior do que a memória afetiva diz que é.

por Ritter Fan
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O Destino do Poseidon não foi o primeiro filme-desastre de uma das mais lembradas “modas” cinematográficas da década de 70 (essa honra fica com Aeroporto, de 1970), mas ele certamente, pelo seu gigantesco sucesso na bilheteria, gerando 125 milhões de dólares de um parco orçamento de 4,7 milhões, foi o que sedimentou o subgênero na época. Como era e continua sendo padrão em filmes assim, uma situação trágica é armada para que um elenco estelar morra um por um ao longo de sua luta pela improvável sobrevivência.

No caso, o SS Poseidon, um navio de cruzeiro fazendo a rota de Nova York para Atenas, emborca logo em seguida ao Ano Novo depois de ser atingido por uma gigantesca onda gerada por um maremoto no Mar Mediterrâneo, com um pequeno grupo de sobreviventes liderado pelo mandão Reverendo Frank Scott (Gene Hackman com um penteado – ou, mais provavelmente, uma peruca – ridículo) fazendo de tudo para chegar até a sala da hélices por lá ser o lugar onde o casco é mais fino conforme informação do menino Robin Shelby (Eric Shea), um nerd de navios. O grupo que segue Scott é formado, além de Robin, pelo teimoso Mike Rogo (Ernest Borgnine) policial novayorkino com sua esposa Linda (Stella Stevens), uma ex-prostituta que teme dar de cara com seus antigos clientes no navio; Susan Shelby (Pamela Sue Martin), irmã mais velha de Robin que tem um crush em Scott;  o casal judeu mais velho e ainda apaixonado Manny (Jack Albertson) e Belle Rosen (Shelley Winters), ela já bem fora do peso; o tímido e solitário dono de armarinho James Martin (Red Buttons); a histérica Nonnie Parry (Carol Lynley), cantora da festa de final de ano; e, finalmente, Acres (Roddy McDowall), o garçom ferido que acaba dando a ideia para Scott de escalar o navio para tentar escapar pelo casco.

O status de clássico do longa é inegável, especialmente para um público de certa idade no Brasil, como é meu caso, já que O Destino do Poseidon formava uma trinca de filmes-desastre juntamente com Terremoto e o ponto algo do subgênero Inferno na Torre, que era repetida à exaustão na televisão aberta noturna por aqui, mas a obra dirigida por Ronald Neame é uma daquelas que simplesmente não resiste a um olhar um pouco mais distanciado e frio,  especialmente tantas décadas depois. Todos os personagens, com exceção de Frank Scott e Mike Rogo que, mesmo eles, só ficam se bicando o tempo todo a ponto de cansar, e talvez de Belle Rosen que tem um bom e até surpreendente momento heroico, são meras buchas de canhão sem qualquer tipo de desenvolvimento mínimo que vá além dos arquétipos do gênero. As inevitáveis mortes que vão acontecendo de poucos em poucos minutos não tem nenhuma envergadura dramática, nenhum sentido maior do que a necessidade narrativa ditada pela estrutura fílmica, por vezes parecendo até irritantemente cômicas.

Aliás, “inevitáveis mortes” é muita – mas muita mesmo! – bondade minha. A inevitabilidade se dá unicamente pelas exigências de estilo, pois o roteiro de Stirling Silliphant (já treinando para escrever Inferno na Torre pouco tempo depois) e Wendell Mayes (mais lembrado por seu trabalho em Desejo de Matar) não consegue criar situações que realmente pareçam inevitáveis com uma única exceção, já que ela se dá em razão de um ataque cardíaco. Na verdade, minto. A questão repousa mais nas limitações que a direção de Neame encontrou em razão de um orçamento anêmico (só para fins de comparação, Aeroporto, de dois anos antes, foi brindado com um orçamento mais de duas vezes maior), algo que é visível logo no começo, antes da tragédia, com a fatídica onda só aparecendo uma vez em uma clara montagem vista a partir de um binóculo e com o navio de cabeça para baixo só sendo realmente reconhecível como uma embarcação em razão das escotilhas, portas e rebites no metal, além das raras e repetidas tomadas externas com o navio emborcado e suas chaminés soltando fogo.

Mas esses aspectos não são o maior problema. A grande verdade é que Neame não consegue usar o pouco dinheiro que tem para fazer das mortes grandes e chocantes eventos como elas deveriam ser. Personagens caem na água e desaparecem, como se molhar-se fosse imediatamente mortal. Outros, que deveriam estar fazendo de tudo para se segurar, desequilibram-se de alturas e morrem e assim por diante. É como uma sucessão de mortes escritas da maneira mais preguiçosa possível ganhando uma tradução audiovisual que não faz absolutamente nada por elas, muitas vezes tornando-as sacrifícios inúteis que não conseguem causar suspense algum, além de serem telegrafadas momentos antes no estilo “a caldeira explodiu, portanto algo de ruim precisa acontecer”.

Apesar de muito famoso em seu subgênero, O Destino do Poseidon é uma muito mais poderosa lembrança enevoada do que muitos acham que ele era do que o filme que ele realmente é. Claro que é divertido ver Hackman e Borgnine saindo no tapa e tendo que ser separados pelo restante do elenco enquanto a água começa a encher a embarcação emborcada, além de ser ao mesmo tempo bacana e trágico constatar que Shelley Winters – no papel que lhe valeria sua última indicação ao Oscar – engordou especificamente para o papel, mas, depois, jamais conseguiu retornar ao que era, mas o longa é um filme-desastre que desconfortavelmente chega próximo de ser um desastre de filme.

O Destino do Poseidon (The Poseidon Adventure – EUA, 1972)
Direção: Ronald Neame
Roteiro: Stirling Silliphant, Wendell Mayes (Paul Gallico)
Elenco: Gene Hackman, Ernest Borgnine, Red Buttons, Carol Lynley, Roddy McDowall, Stella Stevens, Shelley Winters, Jack Albertson, Pamela Sue Martin, Arthur O’Connell, Eric Shea, Leslie Nielsen, Fred Sadoff, Byron Webster, Jan Arvan, Sheila Mathews, John Crawford, Bob Hastings, Erik Nelson
Duração: 117 min.

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