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Crítica | O Dia Depois

por Luiz Santiago
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Desde que estreou como diretor em O Dia em Que o Porco Caiu no Poço (1996) o sul-coreano Hong Sang-soo vem criando um cinema de situações, fortemente marcado por um roteiro centrado em poucos personagens e privilegiando ao máximo o banal, o marasmo, as cenas do cotidiano ondem pequenas surpresas, desordens, encontros e tragédias podem acontecer. 

Em O Dia Depois (2017), o diretor nos apresenta Bongwan (Hae-hyo Kwon), um crítico literário bastante prestigiado na Coreia do Sul e dono de uma pequena editora onde começa a trabalhar Areum (Min-hee Kim). Sem nenhuma preocupação com linearidade e fazendo com que as cenas se entrelacem em simbolismos, mesmo não fazendo parte de um mesmo momento da história desse indivíduos, Sang-soo cria aqui uma visita curiosa pelas consequências de escolhas moralmente questionáveis do protagonista — o enredo traz também a esposa e a amante de Bongwan — e contorna essas situações com os elementos de sempre nos longas do cineasta: muita conversa, comida e bebida.

A princípio, a dúvida pelo que está acontecendo no filme nos faz criar uma série de hipóteses. A ideia de posteridade sugerida pelo título instiga essa atitude e, quanto mais elipses se sucedem, mais imaginamos a evolução do protagonista para um estado de grande desamparo — talvez amoroso, talvez de outra ordem — em um momento futuro de sua vida. Mas somos surpreendidos neste ponto e de uma maneira muito positiva, com o uso dessa mesma dinâmica para revelar, paulatinamente, quem é quem na história e quais são os tempos em que cada bloco se passa. A percepção final não chega a ser verdadeiramente um assombro (e é perfeitamente compressível que alguns espectadores não se adaptem ao formato, pois ele é pouco dinâmico e um tanto cansativo, embora dê bons frutos a longo prazo) mas faz a espera valer a pena.

Filmado em preto e com uma fotografia de bastante brilho, o filme tem uma beleza simples e cativante. Espaços comuns como um pequeno escritório abarrotado de livros e o interior de um apartamento são quase resplandescentes, mostrando uma espécie de refúgio para o personagem, ligando-se diretamente à formulação do roteiro sobre ele, assumidamente covarde. Nas externas e no bar a fotografia parece mais escura, embora ainda traga o elemento de atenção visual pela quantidade de luz no quadro, algo oposto ao filme P&B anterior do diretor, O Dia em Que Ele Chegar (2011). Ainda em sua composição visual, vale destacar a brincadeira de enquadrar personagens juntos quando existe uma conversa harmônica em andamento e cortar para planos individuais, fazendo pequenas panorâmicas toda vez que a comunicação passa por algum ruído, especialmente nos casos de hostilidade.

O grande problema do filme é que ele acaba nos deixando à esmo, talvez seguindo a linha de total desconexão do protagonista à custa de uma menor conexão do espectador com a obra. O corte final vem em uma sequência onde mais coisa poderia acontecer para ao menos sugerir que essa fase do encontro entre os personagens estava concluída. A sorte é que as duas atrizes e o ator principal entregam ótimas performances que, somadas ao realismo e força dos diálogos (um pouco desconexos quando o assunto “Deus” entra em jogo) fazem um instantâneo da vida de um homem que não consegue lidar com pressão e nem assumir os seus atos desonestos, explodindo em lágrimas toda vez que uma situação se torna grande demais para sua pequenez, o que não precisa muito.

O público não consegue exatamente se ligar ao personagem principal, mas também não o abandona. À medida que o conhecemos melhor, passamos a julgar suas ações e nos afastar dele, o que também pode ser interpretado como um problema de roteiro por alguns espectadores, mas este é um ponto bastante pessoal. Particularmente gosto de personagens odiáveis ou ambíguos pois isso acrescenta uma dose a mais de suspense ao enredo. Em O Dia Depois, essa dose não salvou a obra de um imenso niilismo.

Podendo representar ou não o estado emocional dos personagens, a finalização do longa não foi com a melhor saída que o diretor poderia encontrar. Em compensação, isto não conseguiu derrubar as boas situações do desenvolvimento mas deixou um gosto amargo de anticlímax que só se suporta e releva pela boa forma e conteúdo do que veio antes.      

O Dia Depois (Geu-hu) — Coreia do Sul, 2017
Direção: Hong Sang-soo
Roteiro: Hong Sang-soo
Elenco: Yunhee Cho, Ki Joabang, Min-hee Kim, Sae-byeok Kim, Hae-hyo Kwon
Duração: 92 min.

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