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Crítica | O Diabo Feito Mulher

por Luiz Santiago
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Este é mais um título de filme em português que eu não consigo entender de onde veio. Mesmo que a gente pegue o tipo de “impulso feminino” que move pelo menos dois dos personagens masculinos aqui, ainda assim, não teremos uma explicação simbolicamente coerente para algo chamado “O Diabo Feito Mulher“. Até o maior sacrifício que vemos no longa não é realizado por nenhum dos homens, e a personagem da grandiosa e irresistível Marlene Dietrich não é aqui uma manipuladora ou incitadora de crimes. Embora não seja “santa”, suas ações criminosas/negativas são de outra categoria, circulando em torno dela com uma mescla de paixões, frutos de crimes e histórias desconhecidas de diversos foras-da-lei.

Fritz Lang já tinha feito dois faroestes antes (A Volta de Frank James e Os Conquistadores), mas nenhum deles com o ímpeto dramático que temos em Rancho Notorious. O roteiro passa por uma mudança de direção muito interessante do primeiro para o segundo ato, quando Vern, o personagem de Arthur Kennedy, entra em um jogo muito perigoso para descobrir um bandido e se vingar dele, o assassino de sua noiva, sendo parcialmente engolido pelo charme de Altar Keane no processo. E eu disse “parcialmente“, porque esse é um jogo de amor onde cada uma das partes insiste em esconder uma porção de coisas para se proteger, criando um terreno propício para que ambos se magoem, ao fim de tudo.

Um elemento recorrente dos westerns dos anos 1950, período conhecido como apogeu do gênero, com algumas variações de temas do passado (aqui, vemos a figura destacada do vingador) amparadas por algumas transformações que receberiam novas roupas e novos nomes mais adiante. A solidão do herói comum do Velho Oeste, que “não tem lugar para ficar” após cumprida a sua missão de fazer justiça, se faz notar no presente filme em um formato bem definido, mesmo que alinhado a um outro tipo de arranjo dramático, o da culpa, terminando com os dois homens estiveram apaixonados pela mesma mulher, agora cavalgando juntos. Com Rastros de Ódio (1956), essa figura do “cavaleiro solitário” estaria completamente formada, depois de décadas de ajustes dentro do próprio gênero para esse tipo de personagem. Mas aqui já há uma boa configuração desse indivíduo, inclusive com a melancolia que toma o derradeiro plano geral, que se torna panorâmica à medida que o cavalo do protagonista se afasta para longe.

Vejam como o roteiro sustenta na esfera do desejo de vingança toda a caminhada do personagem, com ele “fazendo o que tem que fazer” para conseguir o que quer. As noções de moral aqui são condicionadas a algumas situações e a direção reconhece esse lado ambíguo e pessoal que a tudo cerca, dando muito destaque para os rostos, para as reações, para os personagens demonstrando aquilo que sentem. A cena em que Dietrich canta para os homens em Chuck-a-luck exemplifica isso ao máximo, com o olhar de Vern passando de face em face e a montagem obedecendo a esse mesmo direcionamento, mostrando um close de cada um dos que estavam na sala naquele momento.

O bloco de ação muda, do início para o fim do filme, indo de uma caçada humana individual, passando por uma seara de diversos crimes rasteiros e terminando e um confronto direto após a descoberta da grande verdade, a vingança que tudo motivou. O roteiro deixa para o final a retomada de consciência do protagonista, e joga na mulher o maior preço a se pagar pela paixão e “por se meter com quem não deveria”. Em vez de optar por um casal, o texto optou por dois viúvos que, agora, deixam  no ar a pergunta se vão seguir praticando roubos ou se vão voltar para casa. A dúvida moral e comportamental que não raro nos assoma ao fim de muitos westerns.

O Diabo Feito Mulher (Rancho Notorious) — EUA, 1952
Direção: Fritz Lang
Roteiro: Daniel Taradash, Silvia Richards
Elenco: Marlene Dietrich, Arthur Kennedy, Mel Ferrer, Gloria Henry, William Frawley, Lisa Ferraday, John Raven, Jack Elam, George Reeves, Frank Ferguson, Francis McDonald, Dan Seymour, John Kellogg, Rodd Redwing
Duração: 89 min.

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