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Crítica | O Diabo Veste Prada, de Lauren Weisberger

Miranda Priestly antes de Meryl Streep, nas páginas da literatura.

por Leonardo Campos
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Sempre achei o termo chick lit um termo preconceituoso. É a designação da crítica contemporânea para determinados romances escritos conforme o ponto de vista feminino, um termo que, ao ser traduzido, pode ser entendido como “literatura de mulherzinha”, isto é, histórias que abordam personagens femininas em seus desejos e anseios numa sociedade ainda muito misógina e opressiva, mesmo diante de tantos avanços estabelecidos nas últimas décadas do século XX e no supostamente emancipador século XXI. Neste painel de publicações, temos um manancial de livros que se expandiram para outros formatos narrativos, alcançando suportes como o cinema e a televisão: O Diário de Bridget Jones (de Helen Fielding), Sex and The City (de Candace Bushnell), Os Delírios de Consumo de Becky Bloom (de Sophie Kinsella), dentre outros, englobando também O Diabo Veste Prada, de Lauren Weisberger, todos irregulares enquanto narrativa literária, repetitivos e equivocados no desenvolvimento de seus personagens. Isso, caro leitor, não significa que sejam publicações ruins. São apenas livros que não possuem uma escrita mais firme, mesmo tendo o potencial para brilhar em outros suportes, como aconteceu com todos os exemplos mencionados. No geral, falta uma história mais planejada, sem enrolações.

Antes de continuar, devo dizer que mesmo não tendo o lugar de fala feminino, fui criado sob um forte crivo feminino para a realização de todas as coisas de minha vida. Tendo a figura materna como elemento gestor central de casa desde a infância, sempre fui guiado a pensar nas questões femininas de maneira mais respeitosa e, quase sempre, pelos caminhos da alteridade, naquele esquema de se “colocar no lugar do outro”. Então, devo dizer, desde já, que minha observação acerca dos romances mencionados, em especial, O Diabo Veste Prada, não se adequam ao pensamento de quem não se põe no lugar do outro, mas sim, daquele leitor que espera uma escrita minimamente sofisticada, o que não acontece no ponto de vista literário, base para a criação posterior de filmes interessantíssimos.

O que podemos observar em O Diabo Veste Prada, de Lauren Weisberger, é uma base literária que funciona de maneira muito ineficiente, mas que tem grande potencial para se transformado em material audiovisual: cinema ou televisão. É um livro argumento, conteúdo para ser lido, refletido e pensado nos ajustes para tradução em outros suportes, como aconteceu em 2006, na produção que se tornou uma referência não apenas de entretenimento, mas para debates sobre empreendimento, planejamento de carreira, relações no ambiente de trabalho, dentre outros, algo alcançado pelo filme de David Frankel, protagonizado por Anne Hathaway e Meryl Streep, atrizes que desempenharam Andy e Miranda, respectivamente. Tais pontuações, no entanto, não impediram de ser um sucesso, afinal, o livro passou seis meses na lista do Best-Seller do New York Times, além de render muita mídia diante das especulações sobre Miranda ter sido inspirada em Anna Wintour, a lendária editora-chefe da revista Vogue.

No romance, conhecemos Andrea Sanchs, jovem recém-formada que deseja conquistar uma vaga de jornalista numa revista onde possa escrever de fato sobre coisas que lhe interessam, mas acaba indo parar onde nunca pensou em pisar: o terreno da famosa revista Runway, ícone da moda estadunidense e referência mundial. É o emprego que “muitas matariam para ter”, a vaga que causa “inveja” para todas as jovens mulheres que se inserem no mercado de trabalho. Lá, no entanto, ela percebe que o sonho na verdade é um grande pesadelo, pois ao invés de escrever e atuar em sua área, precisará atender aos caprichos mais insanos de sua chefe, Miranda Priestly, uma mulher complexa, difícil de ser agradada e extremamente exigente. Assim, embarcamos nesta jornada em meio aos capítulos desnecessariamente longos e, para piorar, repetitivos, com o começo, o meio e o fim definidos pelas ordens, execução e cumprimento das atividades de uma personagem bastante reclamante. Basicamente isso.

Dez anos depois do lançamento de O Diabo Veste Prada, a escritora Lauren Weisberger investiu numa continuação, intitulada A Vingança do Diabo, história que traz Andrea já muito bem estabelecida no ramo editorial e prestes a se casar com um homem bastante cobiçado. Ela trabalha ao lado de Emily, lá da Runway, agora diante de novos desafios depois que precisa enfrentar, mais uma vez, Miranda Priestly. Apesar de alternar algumas passagens interessantes entre passado e presente, bem como investir em capítulos mais enxutos, o livro é equivocado e traz uma série de situações banais repetitivas, publicação que é uma ilustração fiel sobre aquelas histórias que não precisam mais voltar, isto é, que já estão devidamente resolvidas em seu primeiro desenvolvimento. Em linhas gerais, talvez até rendesse um filme legal, mas como literatura, adentra pela cultura do excesso, limitando-se a se reciclar indevidamente. Para quem deseja conhecer mais sobre o universo de Lauren Weisberger, há também Todo Mundo Que Vale a Pena Conhecer, rocambolesca história sobre personagens nos entremeios das relações públicas novaiorquinas e À Caça de Heavy Winston, espiral de situações inusitadas envolvendo três amigas que estabelecem uma meta de vida para ser cumprida em um ano.

O Diabo Veste Prada (The Devil Wears Prada) — Estados Unidos, 2003
Autor: Lauren Weisberger
Edição lida para esta crítica: Editora Record (2004)
Tradução: Maria do Carmo Figueira
414 páginas

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