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Crítica | O Direito do Mais Forte é a Liberdade

por Luiz Santiago
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O Direito do Mais Forte é a Liberdade marca o início da reformulação conceitual do cinema de R.W. Fassbinder, um momento que, de início, ainda matinha forte relação com o estilo sirkiano (aqui, especialmente, Tudo o que o Céu Permite) de guiar os dramas amorosos e as relações humanas através da forma do filme, mas que muito rapidamente ganhou cores distintas e identidade revigorada, um “produto final” resultante de diversas influências que desembocariam na famosa fase histórica da filmografia do diretor, iniciada em 1977, com Bolwieser – A Mulher do Chefe da Estação.

Inicialmente chamado apenas de O Direito do Mais Forte aqui no Brasil (ganhando o estúpido “é a liberdade” no lançamento em DVD da Lume Filmes), o longa nos conta a história de Franz Biberkopf ou Fox, “a cabeça falante”, um jovem que trabalha em um circo, perde o emprego, ganha na loteria e faz alguns amigos (esse termo é sempre irônico nos filmes de Fassbinder), um grupo de homens que, juntos, irão preparar o caminho de Franz em direção ao inferno social e financeiro.

É interessante vermos aqui uma série de questões sociais, históricas, morais, éticas, filosóficas e sexuais já abordadas anteriormente pelo cineasta se aglutinarem e nos mostrarem um contexto onde a humilhação e o vampirismo social enraivecem o espectador, dada a estupidez e cegueira do personagem principal, interpretado de maneira crua, gélida e muitíssimo propícia pelo próprio Fassbinder. Também nesse ponto é possível que esteja o [pequeno] ponto fraco do filme, que é a previsibilidade.

Se pensarmos em semelhanças estéticas e dramáticas de outros longas do diretor que aparecem aqui revestidas com um novo manto de desesperança e cinismo, certamente nos lembraremos claramente de O Medo Consome a Alma (1974) e Martha (1974), obras que mostram cenários morais bem semelhantes aos de Franz/Fox em O Direito do Mais Forte e que com este compartilha boa parte do elenco, além dos destinos trágicos — cada um a seu modo — e uma espécie de aceitação da miserável situação vigente que aos poucos parece querer ir para um outro caminho, mas estão já é tarde demais. Para os personagens de Fassbinder presos à realidade do amor ou da sociedade, é sempre tarde demais.

O elenco do filme é dirigido com maestria (Peter Chatel e o próprio Fassbinder fazem ótimas atuações) e vemos representada a decadência de uma forma extremamente curiosa. A primeira delas, através da econômica música de Peer Raben, com grande influência de Bernard Herrmann — cordas carregadas, frases musicais objetivas, de aparência épica e trágica, intercaladas por breves momentos de andamento piano –; e a segunda, através da fotografia de Michael Ballhaus, cujo trabalho de progressiva mudança de personalidade através das cores e movimentos de câmera são notáveis. Kurt Raab, que também interpreta um pequeno (mas ótimo) papel, se destaca no desenho de produção do filme, especialmente em quatro ambientes: a floricultura de ‘Fatty’ Schmidt, a casa de Max (o primeiro amante de Franz), o bar com tonalidades vermelhas e móveis escuros — uma versão mais angustiante e underground do bar de O Medo Consome a Alma — e o apartamento pastiche de Franz e Eugen.

A forma como o diretor trabalha a homossexualidade, a dependência amorosa e o egoísmo que dá a alguns personagens (especialmente Eugen) um caráter psicopata tornam os micro-universos mais ricos e complexos, fazendo de O Direito do Mais Forte é a Liberdade um interessante estudo de comportamento. Ou uma projeção desalentada do diretor para a sociedade de sua época.

O Direito do Mais Forte é a Liberdade (Faustrecht der Freiheit) — Alemanha Ocidental, 1975
Direção: Rainer Werner Fassbinder
Roteiro: Rainer Werner Fassbinder, Christian Hohoff
Elenco: Peter Chatel, Rainer Werner Fassbinder, Karlheinz Böhm, Adrian Hoven, Christiane Maybach, Harry Baer, Hans Zander, Kurt Raab, Rudolf Lenz, Karl Scheydt, Peter Kern
Duração: 123 min.

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