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Crítica | O Espelho (2013)

O terror está no reflexo e na memória.

por Iago Iastrov
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O Espelho (2013), dirigido por Mike Flanagan, é um exercício de horror psicológico que aposta alto na estrutura narrativa e na ambiguidade perceptiva, mas tropeça justamente quando precisa consolidar suas ideias. A proposta é bem interessante: dois irmãos, marcados por uma tragédia familiar, retornam à casa da infância para confrontar um espelho supostamente amaldiçoado. O objeto, o Lasser Glass, é tratado como entidade maligna que manipula a realidade e distorce a percepção, e é aí que o filme tenta se diferenciar do terror convencional.

Tecnicamente, Flanagan demonstra domínio sobre montagem e andamento da fita. A alternância entre passado e presente é fluida, com transições que confundem deliberadamente o espectador, criando uma atmosfera de desorientação. A edição, feita pelo próprio diretor, é o ponto mais forte da obra: os cortes invisíveis e os cruzamentos temporais sustentam a ideia de que memória e realidade estão em constante conflito. A fotografia de Michael Fimognari reforça esse estado de instabilidade com composições claustrofóbicas e paleta fria, enquanto a trilha dos Newton Brothers atua com discrição, evitando os pulos bobinhos e apostando em tensão acumulada.

No entanto, o filme revela cedo demais sua carta principal: o espelho é, de fato, sobrenatural. Essa decisão narrativa enfraquece o suspense e transforma o segundo ato numa sucessão de eventos previsíveis. A ambiguidade — que poderia ser o motor da tensão — é substituída por uma lógica interna que não se sustenta. A partir daí, o roteiro se apoia em alucinações e ilusões que, embora bem executadas visualmente, não evoluem dramaticamente. O espectador passa a acompanhar uma espiral de confusão que não oferece novas camadas, apenas repete a premissa.

Críticas recorrentes desde o lançamento apontam que O Espelho falha em explorar o potencial simbólico do Lasser Glass. O objeto, com uma história de mortes e possessões, é tratado como vilão absoluto, mas sem aprofundamento mitológico ou psicológico. A ausência de regras claras sobre seu funcionamento, algo que Flanagan viria a dominar em obras posteriores, compromete a coerência interna. Além disso, o filme evita explorar o trauma familiar com a profundidade que o tema exige, preferindo o espetáculo visual à densidade emocional.

O elenco, por outro lado, sustenta bem a proposta. Karen Gillan faz uma protagonista determinada, com energia e presença cênica. Brenton Thwaites funciona como contraponto racional, embora seu arco seja limitado. Katee Sackhoff, como a mãe, tem momentos intensos, mas é subaproveitada pelo roteiro. Rory Cochrane, no papel do pai, constrói uma figura perturbadora com economia de gestos. Os atores mirins — Annalise Basso e Garrett Ryan — também contribuem para a atmosfera, especialmente nas cenas de flashback.

Baseado no curta Oculus: Chapter 3 – The Man with the Plan (2006), o longa expande a ideia original com ambição, mas sem o refinamento necessário. No fim, O Espelho é um filme bom, com méritos técnicos e uma proposta interessante, mas que se perde ao abandonar a dúvida e entregar respostas fáceis. Flanagan ainda estava em processo de lapidação, e aqui já se nota seu talento para o horror atmosférico, mesmo que ainda preso a limitações narrativas.

O Espelho (Oculus, EUA – 2013)
Direção: Mike Flanagan
Roteiro: Mike Flanagan, Jeff Howard (baseado no roteiro de Mike Flanagan e Jeff Seidman)
Elenco: Karen Gillan, Brenton Thwaites, Katee Sackhoff, Rory Cochrane, Annalise Basso, Garrett Ryan, James Lafferty, Miguel Sandoval, Katie Parker, Justin Gordon, Kate Siegel, Matt Reidy, Brett Gentile, Dave Levine, Skye Fernandez
Duração: 104 min.

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