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Crítica | O Estado Contra Mandela e os Outros

por Luiz Santiago
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Vindo na onda de produções cinematográficas e televisivas que marcaram o centenário de Nelson Mandela (1918 – 2013), o documentário O Estado Contra Mandela e os Outros explora o histórico Julgamento de Rivonia, ocorrido entre 1963 e 1964. Sobre direção e conceito narrativo de Nicolas Champeaux e Gilles Porte, o filme recupera os áudios originais do julgamento e mostra os depoimentos de Mandela e dos outros homens que, inicialmente, pensavam que encarariam uma sentença de morte, por serem acusados de conspirar contra o Estado e por tramar “atos terroristas”.

É importante lembrar que o julgamento de “Mandela e os outros” aconteceu em um Estado sob o Apartheid, regime de violenta segregação em vigor na África do Sul entre os anos de 1948 e 1994. Um país de maioria negra governado sucessivamente por uma minoria branca que ainda se servia da política de segregação para garantir o seu espaço exclusivo no cotidiano social, nos espaços mais mundanos da sociedade civil.

No documentário temos os áudios do julgamento (já que o processo não foi filmado), com a apresentação do Procurador, os depoimentos dos réus e a declaração de Mandela, que por escolha de seus companheiros, fez um discurso em nome de todos. Os diretores utilizaram desse precioso documento histórico em áudio e escolheram três diferentes modelos de composição de imagem, após os dois minutos iniciais do filme — com apenas uma tela preta e o áudio do tribunal. Após esse momento de apresentação, encontramos cenas de entrevistas dos sobreviventes sobre aquele momento, fotografias de filmes e época e, no cerne da fita, uma animação.

Champeaux atestou que o estilo de animação escolhido para esse filme foi o do traço da esposa de um dos réus, que desenhava os acontecimentos em um pequeno bloco durante o julgamento. A proposta dos diretores aqui não era retirar a atenção do público em relação aos áudios, por isso que toda a parte de imagem (e também a trilha sonora!) está sempre a serviço do que ouvimos, uma composição muito bem pensada e guiada de maneira exemplar até o penúltimo momento do filme. Quanto ao último, é onde encontrei alguns problemas de organicidade, por se afastar, em conceito, do que tivemos no restante da obra, mas nada que fuja ao tema ou que diminua a experiência anterior.

A experiência que temos em O Estado Contra Mandela e os Outros é poderosa e bastante questionadora. Ela nos convoca a pensar em como um Estado, através de suas leis, já segregou e matou indivíduos “para manter a ordem“, tendo o discurso paternalista, como vemos no início do filme, de que “os negros não conseguiriam se governar sozinhos“. É um filme cru, doloroso e enraivecedor, em muitos aspectos. Os áudios originais estão ali, para quem quiser ouvir, não dando espaço para negações ou revisionismos. E ali estão também a linha da História e o plantio de uma semente que iria engrossar a luta cada vez maior dos negros daquele país para obterem seus direitos civis em sua própria casa. Uma luta que ainda demoraria muitas décadas para dar frutos. Mas a História, como sabemos, termina recompensando aqueles que se colocam do lado da liberdade. Sempre.

O Estado Contra Mandela e os Outros (The State Against Mandela and the Others) — França, 2018
Direção: Nicolas Champeaux, Gilles Porte
Roteiro: Nicolas Champeaux, Gilles Porte
Elenco: Denis Goldberg, Ahmed KathradaWinnie Mandela, Andrew Mlangeni
Duração: 105 min.

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