A primeira temporada de O Estúdio me deixou triste por sua sofreguidão ter me impedido de achá-la tão sensacional quanto assistir seus três primeiros episódios me deu certeza de que ela seria. Ver Matt Remick (Seth Rogen) ser promovido de executivo a chefe de um grande estúdio de Hollywood ao abrir mão de seu sonho de produzir filmes mais autorais no capítulo inaugural, cacoetes diretoriais da moda como o uso de bookends (paralelização de aberturas e encerramentos de longas) e de planos sequência serem zoados sem limites no segundo que é estruturado justamente ao redor desses elementos e estrelismos de diretores se chocarem com a covardia de executivos no terceiro foram experiências intensas que mergulharam fundo na sátira das muitas verdades de bastidores de um estúdio de cinema americano. No entanto, mesmo que os episódios posteriores tenham sido igualmente bons, eles acabaram escancarando – pelo menos para mim – o quanto a série parece fazer de sua insana velocidade, de suas críticas ferinas e de suas participações especiais que vão de Martin Scorsese a Ron Howard, passando por Zac Efron, Johnny Knoxville e Ice Cube uma espécie de cortina de fumaça para roteiros que explicam mais do que mostram e de uso incessante de planos sequência com câmeras seguindo seus personagens.
A intenção de Rogen e demais criadores de O Estúdio é nobre, um misto de homenagem e de ataque mordaz à fabrica de “sonhos” de Hollywood, sem deixar nenhum grande tema de fora, sejam os egos inflados de atores, a corrida atrás de grandes franquias (a que perpassa a série e que não duvido nada que um dia aconteça de verdade é a festejada aquisição da licença sobre a propriedade sobre o Ki-Suco – sim, aquela bebida em pó horrorosa de priscas eras), os “jogos vorazes” entre interesses opostos que levam a facadas nas costas e atitudes tanto imorais quanto amorais, a inclusividade na escalação de elenco e assim por diante. Há de tudo um pouco, mas nada, absolutamente nada fica para a imaginação. A série faz exatamente aquilo que critica e trabalha seus temas sempre por caminhos simples, que pegam o espectador na mão, o faz sentar confortavelmente no sofá e explica didaticamente tudo aquilo que acontece diante de seus olhos, tratando-o como alguém como absoluta incapacidade de compreender o que vê. E não é que eu espere de Seth Rogen algo particularmente sofisticado ou complexo, mas o produtor, ator e diretor já tem estofo mais do que suficiente para não cair em suas próprias armadilhas, para evitar fazer aquilo que ele mesmo acertadamente demole.
Com direção indutora de ataques epilépticos e de ansiedade que faz da câmera gato e sapato a ponto de conseguir diluir o plano sequência do episódio sobre plano sequência, Rogers e seu parceiro Evan Goldberg parecem não saber parar ou de sequer distinguir o ponto em que está a fronteira entre o comentário crítico e a materialização em tela daquilo que criticam. Todos os roteiros são verborrágicos, desesperados para não deixar nada de fora e, com isso, entupindo cada episódio de frases faladas a toque de caixa que explicam o que já foi explicado com a mesma frequência com que é possível encontrar uma loja do Starbucks em uma cidade grande dos EUA. E, claro, o pequeno elenco fixo capitaneado por Rogen, Catherine O’Hara, Ike Barinholtz, Chase Sui Wonders e Kathryn Hahn amplifica a intensidade de tudo com atuações histéricas, ligadas no 220, que berram para as câmeras e que ganham gestos exagerados para acompanhar que fariam até italianos raiz acharem que passou da conta.
Mas com isso eu não quero de forma alguma dizer que a série não é divertida. Ela sem dúvida é, especialmente quando, a cada episódio, é possível reconhecer, com horror, como realmente aquilo que é mostrado está próximo da realidade. Ou seja, mesmo em um emaranhado descontrolado de didatismo exacerbado, a percepção de que estamos mais uma vez vendo Hollywood mostrar-se autoconsciente é valiosa e interessante, com inegáveis excelentes momentos, como é o uso de Scorsese no começo, a transformação de um episódio em um filme noir ou a impossível espiral quando a escalação de Ice Cube para viver o Ki-Suco é desafiada com base na impressão de que talvez a escolha possa ter sido racista. Além disso, ela tem o mérito de, em grande parte, fazer uso exemplar de episódios temáticos autocontidos que poderiam até mesmo ser assistidos fora de ordem como nas séries pré-narrativa única. Em outras palavras, há muito o que ser apreciado em O Estúdio, mas a inclemente “lei dos rendimentos decrescentes”, costumeiramente vista ao longo de séries que se recusam a acabar, ocorre muito rapidamente antes mesmo da metade dessa temporada inaugural em razão do peso de roteiros carregados demais de pouca coisa, se é que me entendem, que se acham mais espertos do que realmente são e que se refestelam no uso de artifícios para manter o espectador engajado a tal ponto que esse aspecto seja relevado.
E, para acabar como comecei, já que não posso deixar de me aproveitar da deixa que a própria temporada me dá, tudo o que O Estúdio conseguiu realmente fazer foi me cansar de gostar da série. Gostei muito no começo e de maneira até natural, talvez por apreciar esse tipo de autocrítica, mas, então, o meu gostar começou a tornar-se mecânico, “obrigatório”, perdendo a espontaneidade, com cada episódio tornando-se uma batalha contra o óbvio ululante sendo incessantemente explicado e contra diálogos sendo falados como um particularmente empolgado locutor de corrida de cavalos. Ou seja, eu gostei, mas não tanto quando eu queria gostar a ponto de estar até disposto a fechar os olhos para alguns problemas se eles não se tornassem tão estrondosamente evidentes. Mas sim, podem ter certeza de que voltarei para a já anunciada segunda temporada…
O Estúdio – 1ª Temporada (The Studio – EUA, de 26 de março a 21 de maio de 2025)
Criação: Seth Rogen, Evan Goldberg, Peter Huyck, Alex Gregory, Frida Perez
Direção: Seth Rogen, Evan Goldberg
Roteiro: Seth Rogen, Evan Goldberg, Peter Huyck, Alex Gregory, Frida Perez, Evan Goldberg
Elenco: Seth Rogen, Catherine O’Hara, Ike Barinholtz, Chase Sui Wonders, Kathryn Hahn, Bryan Cranston, David Krumholtz, Keyla Monterroso Mejia, Dewayne Perkins, Nicholas Stoller, Dave Franco, Zoë Kravitz, Matt Belloni, Thomas Barbusca, Devon Bostick, Jessica St. Clair, Rebecca Hall, Sugar Lyn Beard, Rhea Perlman
Duração: 303 min. (10 episódios)