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Crítica | O Exorcismo da Minha Melhor Amiga, de Grady Hendrix

Uma bela amálgama dos anos 80.

por Ritter Fan
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Descobri o autor americano Grady Hendrix totalmente sem querer – até porque não sou o maior apreciador de obras de horror, seja na mídia que for – quando passei meus olhos nostálgicos pela capa original de O Exorcismo da Minha Melhor Amiga que imita uma fita VHS desgastada, algo que a versão brasileira até tentou capturar, mas não foi até o fim, infelizmente. E, no momento em que escrevo a presente crítica, já li não só esta obra de 2016, como duas outras do autor, uma anterior e outra posterior, e estou me preparando para começar uma quarta e já aguardo o lançamento de seu mais novo livro no começo de 2023. Em outras palavras, encontrei um autor moderno de horror que conseguiu capturar minha imaginação como há muito não acontecia em minhas leituras mais pop e, portanto, descompromissadas.

O aspecto mais importante na ainda razoavelmente curta bibliografia de Hendrix é que o autor procura temas dentro de recortes relevantes da cultura pop para, então, costurar sua obra de horror, o que significa que o que vem antes e o que realmente importa é o contexto, é o desenvolvimento de seus personagens dentro de sua escolha específica, seja uma loja de móveis tipo IKEA e seus funcionários plantonistas, seja acompanhando a carreira fracassada de uma roqueira de meia idade, seja lidando com vampiros sulistas ou até mesmo abordando a chamada final girl de filmes do gênero. Em O Exorcismo da Minha Melhor Amiga, o título é autoexplicativo, obviamente, e o que está lá é exatamente o que acontece, mas o que faz o romance ter a qualidade que tem não é o horror exatamente, mas sim a capacidade invejável que o autor demonstra de reunir os mais variados elementos oitentistas em uma obra sobre duas adolescentes bem diferentes, mas muito amigas, crescendo e amadurecendo nesse período.

Apesar de ser do sexo masculino, Hendrix captura a voz feminina com muito respeito e cuidado (claro, falo isso a partir de meu ponto de vista também masculino, então posso estar naturalmente errado, mas creio que não) e sua Abby, estudante humilde e bolsista de uma conceituada escola particular em Charleston, na Carolina do Sul e que sequer conta com aquela estonteante beleza natural que se espera de obras do gênero, é uma fascinante colagem de personagens femininas icônicas dos anos 70 e 80, começando por Carrie (Carrie, a Estranha), passando por Baby (Dirty Dancing), Diane (Digam O Que Quiserem), Andie (A Garota de Rosa-Shocking), Nancy (A Hora do Pesadelo), e, claro, boa pitadas de toda grande personagem – especialmente adolescente – de filmes de horror da época. E o mesmo pode ser dito de Gretchen, sua melhor amiga e seu oposto em praticamente tudo, com pais controladores e conservadores, rica e linda, mas que acaba sendo possuída por uma entidade demoníaca, cabendo a Abby providenciar o exorcismo.

Apesar de em tese o assunto ser sério, a linguagem está longe de tentar emular clássicos como O Exorcista, seja o livro ou o filme. Muito ao contrário, o autor usa uma abordagem leve, com elementos de humor e foca muito mais nos momentos pré-exorcismo do que no exorcismo em si, bem em linha com o que eu mencionei sobre o contexto e as personagens serem mais relevantes do que os momentos de horror que nem são tão de horror assim, ainda que os clichês mais conhecidos estejam todos lá. Seu objetivo é fazer de seu romance uma história de amadurecimento, um coming of age especialmente de Abby que, apesar de não ser possuída, sofre tanto quanto sua amiga. A própria lenta mudança na personalidade de Gretchen, que até Abby demora a perceber que está acontecendo, é uma maneira de Hendrix lidar com os mais variados assuntos relacionados com a transformação de uma menina em mulher, sejam eles biológicos, socioeconômicos ou ambientais. Eu poderia facilmente afirmar que, se o romance não tivesse nada de exorcismo, nenhum elemento de horror, ele mesmo assim continuaria muito bom pela capacidade que o autor tem de alegorizar justamente esse conto de crescimento e, sei que já estou me repetindo, sua aptidão em realmente dar voz verossímil a personagens femininas em um contexto temporal específico que captura a essência de uma década tão profundamente enraizada na cultura pop.

Aliás, é justamente o lado do exorcismo efetivo que é a fraqueza do romance. Pela janela se vão as abordagens bem-humoradas que evocam os anos 80 e toda a construção de personagens para que uma quantidade talvez grande demais de capítulos seja dedicada a isso, o que gradativamente retira a força e também o coração da obra. Na verdade, creio que o problema tenha sido uma possível dúvida de Hendrix sobre ir a fundo na questão ou simplesmente usar o exorcismo como um pano de fundo menos relevante, o que acabou resultando em um meio termo que não é nem muito inspirado no lado do horror e nem contribui de verdade para a história para além da adição de passagens que justifiquem o título da obra e, por via de consequência, entregue ao leitor aquilo que muito provavelmente o atraiu para o livro.

O Exorcismo da Minha Melhor Amiga é uma leitura muito agradável, fácil e divertida especialmente em seus dois terços iniciais e mais especialmente ainda para quem viveu os anos 80 ou gosta muito das obras mais famosas da época, sejam filmes ou canções (cada capítulo, aliás, tem o título de uma música, criando um playlist muito representativa da década). Grady Hendrix faz o simples e o “já conhecido” de maneira fluida, natural e realista no contexto que propõe – o que inclui ser uma espécie de amálgama de clichês da era – e entrega um romance de amadurecimento com inteligência, bom humor e algumas interessantes, ainda que não essenciais, sendo sincero, pitadas de horror.

O Exorcismo da Minha Melhor Amiga (My Best Friend’s Exorcism – EUA, 2016)
Autor: Grady Hendrix
Editora original: Quirk Books
Data original de publicação: 17 de maio de 2016
Editora no Brasil: Editora Intrínseca
Data de publicação no Brasil: 18 de outubro de 2021
Tradução: Edmundo Barreiros
Páginas: 337

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