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Crítica | O Fantasma da Ópera, de Gaston Leroux

A ficção gótica francesa que inspirou numerosas narrativas cinematográficas.

por Leonardo Campos
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Clima lúgubre e misterioso. Situações inexplicáveis e respostas não racionais para acontecimentos inesperados. Assim são as narrativas conveniadas ao que se convencionou chamar de ficção gótica, histórias situadas em ambientes fantasmagóricos, de iluminação e arquitetura muito específica, arrebatadoras em suas representações espaciais, geralmente alegóricas no que concerne ao comportamento de seus personagens. Ao escrever o romance clássico francês O Fantasma da Ópera, Gaston Leroux entregou ao universo literário uma das obras mais traduzidas de suporte semiótico ao longo do século XX, fazendo o seu monstro figurar no panorama de aberrações cinematográficas inesquecíveis, ao lado do Conde Drácula, Frankenstein, o Homem Invisível, bem como múmias, lobisomens e outras criaturas aterrorizantes da noite, presenças que se tornaram mitológicas e ainda hoje são temas recorrentes de séries, quadrinhos, releituras literárias, dentre outras narrativas.

Publicado serializado entre 1909 e 1910, O Fantasma da Ópera é uma história soturna que se passa na Ópera de Paris, no século XIX. No prefácio da edição da editora Zahar, luxuosa com sua diagramação e capa dura, há um texto do próprio escritor a comentar a sua publicação, flertando com a condição supostamente real dos acontecimentos abordados ao longo das 400 páginas do romance. Inicialmente escrito num ritmo com marasmo, o conteúdo se desdobra numa emocionante jornada de amor e horror, ao passo que os personagens são melhor desenvolvidos e as peças da narrativa começam a se anexar, ganhando forma e coerência. Acompanhamos a trajetória de Christine, uma triunfante soprano que é amiga de Raoul, atual patrono do espaço em questão, um apaixonado pela moça desde a juventude. Neste lugar de paixões arrebatadoras e amor pela música, há uma lenda que pode não ser exatamente algo incerto.

Acontecimentos misteriosos deixam entender que há uma presença ameaçadora por lá. Relatos de um fantasma maléfico rondam as coxias e os gestores, apesar de cientes dos perigos por meio de cartas ameaçadoras e situações aparentemente inexplicáveis, tentam acobertar os riscos de ser parte daquele espaço. Numa determinada situação, um lustre despenca sobre a plateia e a cantora Carlotta, uma referência da ópera, perde misteriosamente a sua voz encantadora. Tudo isso, descobrimos, pelo fato de os organizadores realizarem uma montagem de Fausto, de Goethe, a contragosto do tal fantasma. As coisas ficam ainda mais tensas depois que Christine é sequestrada, levada para o subterrâneo da ópera parisiense. Lá o seu sequestrador, que se identifica como Erik, revela ser obcecado pela soprano, pedindo-a para que o ame, pois ao longo de toda a sua vida, tal sentimento lhe foi negado por todos, somente ofertado por sua mãe, a voz de seus cantos para acalentar o sono na infância. Arredia, Christine enfrenta o seu algoz e num determinado momento, arranque-lhe a máscara.

É quando sabemos que o tal fantasma existe e na verdade é este homem amante da música, um erudito alijado socialmente, haja vista a sua condição decrépita, causada por uma doença inexplicada, situação que o deixa com a aparência indesejada pela sociedade. Após duas semanas de aprisionamento, finalmente Christine é libertada, mas com a condição de retornar ao local na ocasião da morte de Erik, para enterrá-lo com o anel de ouro que ele a presentou, como lembrança dos breves momentos de aproximação com alguém. A moça consegue escapar, planeja uma fuga com Raoul, nobre marinheiro já mencionado, mas depois se arrepende e decide cantar uma última canção para o homem que sofre pelo seu amor. Nas idas e vindas desta história de amor, tragédia e sofrimento, sentimentos aflorados fazem o clima de romance se mesclar com o tom gótico de horror da história, imortalizada em nosso imaginário cultural, não apenas pela indústria cinematográfica, mas também por suas montagens em óperas renomadas, com belas vozes a redesenhar o universo de Gaston Leroux no bojo de nossa cultura.

Visto por um viés psicanalítico, O Fantasma da Ópera é um romance onde o desejável é compreendido por meio da fantasia, processo que permite o rearranjo de alguém em constante situação de desamparo, insatisfação, em linhas gerais, infortúnios. Não só em Christine há a projeção de suas fantasias, mas a música eloquente transforma o cotidiano de Erik, não só por ser um elemento que conecta a vida de ambos os personagens, mas também por ser sustentação para a sua trajetória como alguém nostálgico, impedido de amar e ser aceito por sua aparência. Aqui, a música se porta como uma possibilidade de bálsamo, um princípio de prazer para o “monstro”, uma criatura destinada aos meandros da solidão para toda a sua existência. Ademais, diante de tantas possibilidades de leitura, o livro também é um compêndio sobre a literatura fantástica, um terreno que mescla o real e o sobrenatural, a ambiguidade, isto é, o choque de contatos entre a racionalidade de nosso mundo com a chegada de elementos inexplicáveis, de ordem incerta, inconstante, fantasmagórica, como ocorre ao longo dos acontecimentos sombrios da Ópera de Paris, ao longo do romance em questão, fruto desta análise.

O Fantasma da Ópera (The Castle of Otranto/França, 1910)
Autor: Gaston Leroux
Tradução: Alberto Alexandre de Martins
Editora no Brasil: Zahar (2010)
Páginas: 400

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