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Crítica | O Filho de Frankenstein

Boris Karloff se despede do Monstro de Frankenstein em filme sobre a longevidade dos traumas.

por Rafael Lima
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Todos conhecem o famoso ciclo de filmes de terror da Universal, que teve início com Drácula (1931), e se estendeu até Abbot e Costello Contra Frankenstein (1948). Mas o que poucos lembram, é que entre 1935 e 1939, a Universal estabeleceu um breve hiato nesse ciclo, não querendo ser vista apenas como um estúdio de filmes de terror. Passado esse hiato, a Universal decidiu que já era hora de retornar ao gênero, e com o sucesso das reexibições de Frankenstein (1931) e A Noiva de Frankenstein (1935), determinou que um terceiro filme de Frankenstein encabeçara a retomada do ciclo de produções de horror.

 Na trama, Wolf Von Frankenstein (Basil Rathbone), viaja com a família até uma aldeia no interior da Europa para reclamar o castelo que o seu pai lhe deixou. chegando à região, ele encontra a hostilidade dos aldeões, que ainda sofrem pelo trauma provocado pelo Monstro (Boris Karloff) criado pelo pai de Wolf décadas antes. Ao explorar o local, o cientista conhece o estranho Ygor (Bela Lugosi), um antigo ajudante de seu pai, que lhe revela que o Monstro sobreviveu a explosão do desfecho de A Noiva de Frankenstein, estando agora em coma. Decidido a limpar o nome dos Frankenstein, Wolf resolve transformar o monstro em uma força do bem, mas as coisas não saem conforme o planejado, levando a uma nova onda de mortes.

Escrito por Wyllis Cooper, O Filho de Frankenstein é o primeiro filme da série a não ser dirigido por James Whale, substituído nesse projeto por Rowland V. Lee. A primeira coisa a se dizer sobre o filme é que ainda que seja uma obra charmosa, ele não possui o senso de drama quase operístico dos filmes dirigidos por Whale, optando ao invés disso em entregar um Thriller gótico mais centrado na tensão entre os personagens do que nas situações dramáticas. O maior exemplo disso pode ser encontrado na própria forma como o roteiro aborda o Monstro, que se torna uma figura mais rasa para poder dar espaço para a dinâmica de Frankenstein com Ygor e com o Inspetor Krogh (Lionel Atwill), que investiga as novas mortes na aldeia. Por outro lado, e interessante como o filme aborda a longevidade dos trauma deixado pelas ações do monstro em vários níveis, seja o trauma cultural que marcou a pequena aldeia; geracional, pois Wolf continua a sofrer com a memória manchada do pai, e até mesmo físicos, o que é representado nas figuras de Ygor e Krogh.

O roteiro de Cooper possui uma estrutura similar à do primeiro filme, com o cientista tentando dar vida ao monstro, que leva a um clímax em que seus entes queridos são ameaçados por suas ações. A diferença é que enquanto o Frankenstein de Colin Clive era um cientista louco mais tradicional e delirante, Wolf Frankenstein possui uma fachada de normalidade mais sólida, com sua obsessão e ambição científica sendo postas de forma mais sutil. Outro acréscimo que dá frescor a fórmula é a presença do vingativo Ygor, que manipula Wolf para despertar o monstro, e assim usá-lo em sua vingança contra a aldeia. Ygor é um grande acréscimo para a mitologia da série, evidenciando a arrogância dos Frankenstein, e estabelecendo uma interessante ligação com o Monstro. Ygor foi enforcado por roubar cadáveres para o Frankenstein pai; mas sobreviveu a execução, ficando com o pescoço torto e as costas retorcidas, ainda que seja considerado legalmente morto. Assim, tal como a criatura, Ygor está em um limbo entre os mortos e os vivos.

Outra coisa a ser dita é que a narrativa está ciente dos clichês da franquia, brincando até mesmo com o impacto cultural dos filmes anteriores, como o fato do Monstro muitas vezes ser chamado equivocadamente de Frankenstein. Mas o signo usado de forma mais assertiva aqui é a turba enfurecida, pela forma como ela motiva as ações do Inspetor Krogh. Ao mesmo tempo que o Inspetor suspeita do envolvimento de Frankenstein nos incidentes que investiga, ele também deve proteger o cientista e sua família contra a fúria das massas, tirando assim a validação dos linchamentos populares, que soavam justificados em produções anteriores. O curioso é que Krogh tem os seus próprios motivos para odiar os Frankenstein, já que o monstro arrancou o seu braço quando ele era uma criança, mas ainda assim, o Inspetor nunca flerta com a mentalidade vingativa da manada, tornando o personagem a bussola moral da obra.

O filme se beneficia de um elenco talentoso e comprometido com os seus personagens. Basil Rathbone vive Wolf Frankenstein como um pai e marido amoroso, que sendo um homem racional, acredita que as histórias sobre o monstro de seu pai são exageradas. Por outro lado, desde o início, o cientista demonstra devoção pelo pai que não conheceu, e mais do que vaidade intelectual, o que motiva o personagem-título em tentar reabilitar o Monstro é mostrar ao mundo que o pai era um homem bom, que criou coisas boas. Rathbone explora esse conflito de forma a humanizar o seu personagem, além de expor as falhas de caráter do cientista em uma performance acertadamente contida.

Lionel Atwill também merece elogios por sua interpretação como o Inspetor Krogh. Usando um braço postiço para substituir o que perdeu quando criança, o Krogh de Atwill atinge um ótimo equilíbrio entre firmeza e gentileza, pois ao mesmo tempo em que confronta o patriarca Frankenstein com rigidez quando este está obviamente mentindo na sua cara, o policial também demonstra genuína preocupação com a esposa e o filho de Wolf. É curioso como Atwill retrata as fragilidades do inspetor, ao demonstrar que por trás de sua postura segura, o trauma de infância ainda o afeta, resultando em um personagem mais complexo do que aparenta à primeira vista.

Boris Karloff retorna como o Monstro pela última vez, e tem menos o que fazer do que nos filmes anteriores. Se em Frankenstein, Karloff reinventou a criatura ao vive-la como um ser infantil que não entendia as consequências de seus atos, e em A Noiva De Frankenstein, trouxe uma versão mais próxima da figura trágica e ambígua escrita por Mary Shelley; neste terceiro filme, o Monstro não é muito mais do que uma máquina de matar. Ainda é um personagem com mais camadas do que o que apareceria nas sequências seguintes, com a sua primeira cena diante de um espelho sendo um ótimo exemplo dessas camadas, mas que empalidece diante de suas aparições anteriores, o que torna compreensível a decisão de Karloff de deixar o papel após este projeto (ainda que o exaustivo processo de maquiagem também tenha pesado na escolha).

 Mas se o longa metragem tem um dono, esse dono é Bela Lugosi. Após a sua atuação como Drácula no clássico de 1931, o ator acabou caindo no Typecasting, já que a maioria dos papéis de destaque oferecidos a ele acabavam sendo muito semelhantes ao icônico conde vampiro. Em O Filho De Frankenstein, porém, Lugosi tem a chance de se destacar longe do tipo aristocrático que definiu a sua carreira. O ator, com o auxílio do bom trabalho de maquiagem, interpreta Ygor com uma energia animalesca, dando ao ferreiro uma natureza imprevisível, de modo a deixar o público sempre tenso quando ele está presente. Lugosi também concede ao personagem um frágil ar de humildade, que apenas esconde a sua astucia e loucura, o que pode ser percebido especialmente em suas cenas com Rathbone.

O Filho De Frankenstein realmente não pode gozar do mesmo Status atingido por seus dois antecessores, pois não tem os mesmos momentos icônicos ou imagens evocativas concebidas por James Whale. Por outro lado, este terceiro filme do Frankenstein Da Universal ainda é uma obra com uma atmosfera envolvente, e que conta com personagens carismáticos que têm algo a dizer, sendo muito mais do que meros arquétipos. É um ótimo exemplar da franquia que faz justiça ao seu legado, e um bom exemplo do que fez o ciclo de terror dos monstros da Universal tão marcante na história do cinema.

O Filho De Frankenstein (Son Of Frankenstein). Estados Unidos, 1939
Direção: Rowland V. Lee
Roteiro: Wyllis Cooper (baseado em personagens criados por Mary Shelley)
Elenco: Basil Rathbone, Boris Karloff, Bela Lugosi, Lionel Atwill, Josephine Hutchinson, Donnie Dunagan, Lawrence Grant, Lionel Belmore, Gustav Von Seyffertitz, Harry Cording, Jack Curtis
Duração: 99 Minutos

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